O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

sexta-feira, abril 22, 2011

NINGUÉM PODE PASSAR SEM ELA...


- “Lilith tem hoje uma necessidade dramática de ser ouvida. É o grito da noite de quem reclama, que quer tocar o absoluto.”
Joelle de Gravelaine


Eu sei que há uma faceta no meu trabalho que não é bem recebido nem muito popular entre as mulheres que me lêem. Muitas vezes sinto a animosidade ou o medo das mulheres em relação aos aspectos mais radicais ou mesmo contundentes da minha expressão e concepção do feminino sagrado...principalmente quando foco o aspecto psicológico e o trauma básico da identidade da mulher no mundo de hoje…
São séculos de cultura patriarcal de génios, homens em todas as áreas, desde pintores poetas e escritores a retratarem uma mulher que não sabem…dela fizeram uma Virago, dela fizeram uma prostituta, dela fizeram um travesti, dela fizeram um andrógino, dela fizeram uma boneca insuflada…dela fizeram tudo que quiseram…
Profetiza, demente, mãe, cândida donzela, virgem e prostituta, rainha, louca, assassina…
São muitos…todos eles génios ou santos: Miguel Ângelo, Leonardo da Vince, Spenser, Courbert, Shakespeare, Balzac, Baudelaire, Voltaire, Santo Agostinho etc. …
O que eles escreveram sobre grandes mulheres…Cleópatra por exemplo, e …como a viu Shakespeare…Meu Deus…que insana criatura…e é desses modelos ao longo de séculos de história e cultura que a mulher se deixou moldar sem nunca ser ela mesma a pronunciar-se! Aqui está, houve mulheres famosas na ribalta, mas elas não tinham voz própria…sim, houve Rainhas dizem-me, grandes rainhas….mas sujeitas aos mesmos padrões e aprisionadas pelos mesmos valores em vigor nas épocas em que reinaram, aos mesmos conceitos…e atributos, com que as modelavam os homens da arte e da cultura…Fosse na época Helénica na Renascença ou o no Iluminismo. Nunca até hoje a Mulher foi Ela mesmo!

Shakespeare até podia ter “uma concepção revolucionária da mulher”* mas as mulheres que representam as suas personagens eram sempre homens…As mulheres são sempre travestis ou andróginos senão forem as mulheres fatais, as prostitutas ou cortesãs, mais ou menos sofisticadas ou ordinárias, consoante o quadro social a que pertenciam…e como ele representou Cleópatra… “A grande heroína de Shakespeare combina em si uma multiplicidade de género, persona, palavra, olhar e pensamento”*

Há muitos anos que trabalho sobre a consciência do Ser Mulher e pesquiso os mais variados trabalhos das muitas mulheres que também o fazem nestas últimas décadas. Primeiro as feministas e as cientistas e escritoras dos direitos das mulheres e por último, mais recentemente, das mulheres que se empenham na ecologia ou no paganismo…
Não considerando agora as feministas mas referindo-me apenas as mulheres que começam a abordar o tema do feminino sagrado e das deusas, direi que há quase sempre um aspecto fundamental que me separa ou me afasta delas...e é precisamente o mesmo que faz as mulheres que me lêem reagir contra mim ou a cortarem-me das suas páginas; esse aspecto é quase sempre, apesar de haver sem dúvida alguma, um sem número de aspectos fundamentais em que a mulher precisa de trabalhar consigo mesma, mas neste caso, sempre que se trata de ir ao fundo de si mesma e enfrentar a sua sombra ela fogem…elas fogem do espelho da outra mulher…
As mulheres fogem do Seu Labirinto…

Tudo o que sejam trabalhos de nível espiritual, xamânico, tântrico, cultural ou artístico, tudo o que sejam as expressões lúdicas do seu ser em expansão, elas aderem com uma certa facilidade…mas quando se trata de aprofundarem uma consciência do seu lado oculto e da parte essencial de si mesmas, a mais difícil e controversa, essa é parte que não ousam enfrentar, e assim recuam e mantêm-se apenas na superfície de um entendimento sobre a deusa ou sobre as deusas na mulher; há porém um conhecimento que precisa de um maior aprofundamento em si que é ir muito para além de frequentarem cursos Wicca, workshops, irem a um Festival da Deusa, ou mesmo conhecerem os seus poderes, serem médiuns ou curadoras. E esse trabalho é enfrentarem o seu abismo pessoal, é irem ao fundo do seu Labirinto, olharem-se no espelho e verem-se do outro lado, o verso e o reverso de si…e amarem-se como são…
Aí elas temem e hesitam, e recuam…
Sem dúvida que é muito doloroso: a mulher é um ser demasiado ferido e precisa essencialmente curar-se a si própria antes de querer curar ou ajudar quem quer que seja…e enquanto a mulher exercer o seu Dom - e este é o ponto da minha questão a questão para mim crucial neste tempo de transição de paradigma - que a mulher integre as duas mulheres cindidas pelo patriarcado…porque fazer trabalhos os mais incríveis e variados que sejam, sem integrar as duas mulheres cindidas pela religião, que as separe e divide em estereótipos, ela não pode integrar mais nada de forma saudável, porque o medo e o antagonismo entre a “outra” mulher sombra que a ameaça…não permitirá criar essa irmandade sonhada e tão desejada. Há sempre um dia em que a mulher se torna inimiga da outra mulher…mesmo que não o ouse dizer ela vai sempre odiar a mulher que, quando menos esperar, a espelhe na sua sombra a mais dolorosa…e quanto mais fugir dela mais ela a perseguirá, mais a fará sofrer e as suas irmãs….

Portanto, sem que a mulher perca o medo dessa mulher sombra, personificada na sua Lilith, que não é propriamente mais uma deusa, mas o arquétipo porventura o mais poderoso do inconsciente feminino e do mundo, ela não vai usar o seu potencial da maneira certa porque essa velha separação que é o mais velho cisma do mundo as antagoniza. Desse modo não podemos esperar uma verdadeira lealdade feminina ou uma irmandade feminina porque a desconfiança e o medo da outra mulher a confundirá sempre e a agir do mais fundo do seu inconsciente gerando esse ódio que prevalecerá…
Enquanto a mulher não conhecer a sua Lilith…enquanto a mulher não integrar a sua Sombra, a mais perigosa e mais antiga, a mais amaldiçoada de todas as suas personas sexualis, ela não vai poder ser a mulher inteira nem resgatar a sua Lua…nem poderá fazer parte de um novo paradigma.
Sim, podemos avançar muito e convencermo-nos de somos livres e estar a caminho de um novo mundo, mas não sem Ela…pois, “ninguém pode passar sem ela, ninguém que deseja abandonar as suas velhas peles inúteis, aceder ao coração essencial, passar para o outro lado, para uma vertente mais intensa de luz, ultrapassar-se a si mesmo e aceder ao inconsciente puro.
COMO é que isso se faria sem sofrimento, sem sacrifício, sem dor?
COMO faríamos nós a economia desta ferida aberta que nos faz passar do Existencial ao Essencial?”
E embora neste caso isto seja válido tanto para homens como para e mulheres cabe ainda às mulheres integrarem primeiro a sua Lilith e assumi-la em pleno…

rleonorpedro


* “Tanto Leonardo como Miguel Ângelo são habitualmente classificados como homossexuais, mas independentemente do tipo de sexo que tenham tido, as suas actividades sexuais terão sido certamente anómalas e esporádicas. A tendência monástica está profundamente enraizada no temperamento italiano. Freud observa que o que prova a orientação sexual é a atracção emocional, e não o acto físico. Nas suas vidas privadas, Leonardo e Miguel Ângelo estavam claramente interessados na beleza masculina. Mas é claro que as suas vidas privadas se reduziam a mente e ao intelecto. Eles eram visionários semi-loucos, tão misantropos como um santo eremita.”

in Personas Sexuais de Camille Paglia

2 comentários:

Anónimo disse...

95% dos homens vivem em função de se manterem no controle, das ideias e dos relacionamentos! impondo socio e psicologicamente seus conceitos machistas, sobre a sociedade que oficialmente dominam a séculos!os outros 5% simplesmente desistiram de viver nessa ilusão! infelismente a maioria absoluta das mulheres não perceberam o mesmo que os 5% dos homens sábios!

rosaleonor disse...

Primereiro devo dizer-lhe que não há homens sábios...quando muito conhecedores...cientístas e outros...mas esses mesmos 5 por cento só fizeram merda...basta ver onde o mundo chegou...se a correspondente de 5 por cento de mulheres sábias e essas sim são sabias - porque a sabedoria é inata e diz respeito ao feminino ontológico - então elas poderiam salvar o mundo...se esses 5 por cento de homens não fossem umas bestas...