O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

sexta-feira, abril 08, 2011

O QUE CANTA A NATUREZA?


As profundezas do ctónico acordando numa mulher sensível sensitiva e plena...a sua voz ecoa das entranhas da terra e dela mesma... Mulher pioneira da voz das mulheres, da voz intensa que deixa marcas e é eco de milhares de mulheres que não puderam dizer-se e que hoje apenas algumas se identificam e se libertam...

...QUANTO MAIS MALDITA...

MAIS ATÉ À DEUS/A



"Agora de madrugada estou pálida e arfante e tenho a boca seca diante do que alcanço. A natureza em cântico coral e eu morrendo. O que canta a natureza? a própria palavra final que não é nunca mais eu. Os séculos cairão sobre mim. Mas por enquanto uma truculência de corpo e alma que se manifesta no rico escaldar das palavras pesadas que se atropelam umas as outras – e algo selvagem, primário e enervado se ergue dos meus pântanos, a planta maldita que está próxima de se entregar ao Deus. Quanto mais maldita mais até o Deus. Eu me aprofundei em mim e encontrei que eu quero vida sangrenta, e o sentido oculto de uma intensidade que tem luz. É a luz secreta de uma sabedoria da fatalidade: a pedra fundamental da terra. É mais um presságio de vida que vida mesmo. Eu a exorcizo excluindo os profanos. No meu mundo pouca liberdade de acção me é concedida. Sou livre apenas para executar gestos fatais. Minha anarquia obedece subterraneamente a uma lei onde lido oculta com astronomia, matemática e mecânica. A liturgia dos enxames dissonantes dos insectos que saem dos pântanos nevoentos e pestilentos.

(…)


A minha fome se alimenta desses seres putrefactos em decomposição. Meu rito é purificador de forças. Mas existe malignidade na selva. Bebo um golo de sangue que me plenifica toda. Ouço címbalos e trombetas e tamboris que enchem o ar de barulhos e marulhos abafando então o silêncio do disco do sol e o seu prodígio.


Quero um manto tecido com fios de ouro solar. O sol é uma tensão mágica do silêncio. Na minha viagem aos mistérios ouço a planta carnívora que lamenta tempos imemoriais: e tenho pesadelos obscenos sob ventos doentios.


Estou encantada, seduzida, arrebatada, por vozes furtivas. As inscrições cuneiformes quase ininteligíveis falam de como conceber e dão fórmulas sobre como se alimentar da força das trevas. E o eclipse do sol causa terror secreto que no entanto anuncia um esplendor de coração. Ponho sobre os cabelos o diadema de bronze.


In Agua Viva – clarice Lispector

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