O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

quinta-feira, julho 12, 2018

HISTÓRIA E MITOS I


Inana

O superior e o inferior: qualidades do feminino

A deusa Inana, cujo nome semítico é Ishtar, apresenta uma imagem simbólica multifacetada, um modelo do feminino que se proteja para além do meramente maternal. Outras deusas da Suméria eram grandes mães do mar e da terra. Ao assumir em um culto o símbolo do duplo eixo das divindades antigas, Inana combina céu e terra, matéria e espírito, luz, generosidade telúrica e orientação celestial. Na origem talvez ela estivesse ligada aos grãos e aos silos comunais enquanto recipientes, aos armazéns de tâmaras. Cereais e outros víveres. Entre os seus emblemas e rituais antigos incluem-se essa casa de armazenamento e um laço ou trouxa de tecido, feitos talvez das fibras que fechavam as portas dos silos, sendo o deus tâmara um de seus mais antigos noivos divinos. Dessa forma a deusa se manifesta, do mesmo modo que Deméter e Ieriduwen, como nume de fertilidade impessoal. Diz-se, numa canção, que do seu útero jorravam cereais e legumes. Desde o início ela também aparece impressa em la_ cores e vasos antigos como deusa celestial, representada por uma estrela. Enquanto deusa de chuvas suaves e terríveis tempestades e enchentes, bem como do céu carregado (cujas nuvens são seus seios), é chamada rainha do céu e considerada esposa de Na, o antigo rei sol. Inana é também, desde tempos antiquíssimo, a deusa da imprevisível e radiante estrela da manha e do entardecer, despertando a vida e fazendo-a dormir, controlando as temas das fronteiras, chamando o deus sol, seu irmão, ou ô-deus lua, seu pai, para a actividade ou o repouso. Ela representa as regiões limítrofes e intermediárias, e as energias impossíveis de conter ou definir, das quais não se pode ter certeza ou segurança. Não se trata do feminino enquanto noite, mas muito mais da simbolização da consciência da transição e dos limites, dos lugares de intersecção e passagem que implicam criatividade, mudança e todas as alegrias e dúvidas peculiares a uma consciência humana flexível, lúdica e nunca estável por longo tempo. Sob a forma de estrela do entardecer, Inana congrega a corte pela época da lua-nova para ouvir os pedidos dos deuses, e para ser celebrada com música, festas e encenações de batalhas sangrentas. Ela reclama o eu: os princípios ordenadores, as potências, talentos e ritos do mundo civilizado e superior. Enquanto juíza, congrega a corte para "decretar o destino" e "tripudiar sobre o transgressor", simbolizando a capacidada do sentimento de avaliar periódica e rejuvenescida mente, e que acompanha o senso da vida como um processo de mutação. Como rainha da terra e sua fertilidade, ela desmama realeza sobre o mortal escolhido para ser o pastor do povo, e o acolhe em seu leito e trono da vida cortada de seu jardim por Gilgamesh) Como consorte ela dá o trono, o ceptro, assessores, o báculo a coroa, bem como a promessa de boas colheitas, junte com as alegrias de sua cama. Mas Inana também é a deusa da guerra. À batalha a "dança de Inana" e ela, ao conceder a vitória, "é o arco e porta-flechas sempre à mão.. . o coração da batalha, o braço dos gurreiros".
Mais apaixonada do que (por ser dotada das energias dos instintos selvagens mais tarde atribuídos a Ártemis), a deusa é descrita hino como omnidevoradora na força atacando como uma tempestade agressiva", mostrando um "rosto assustador" e um "coração feroz" .
E é com profundo gozo que ela canta as suas glórias e proezas: "O céu é meu, a rainha é minha. Sim. Eu sou uma guerreira. Haverá um ser que possa enfrentar-me?" "Os deuses não passam pardais; eu sou falcão; os Anunaki (deuses) capturando-os. Entre os animais Inana tem por companheiro o leão, e sete deles puxam sua carruagem. Em alguns por aí - eu sou uma magnífica vaca selvagem". Um mito apresenta-a lutando com o dragão do kur e antigos um escorpião aparece ao seu lado. É de modo igualmente apaixonado que ela se apresenta como a deusa do amor sexual. Entoa canções de desejo , enquanto se enfeita e fala do desejo e das delícias fazer amor. Clama pelo consorte e amado, seu "pote de mel", que "sempre me acaricia", atraindo-o o seu "colo sagrado" para desfrutar-lhe as delícias das horas de vida e a ternura sexual em seu leito de sagradas. Mais extrovertida que Afrodite, quer arrebatar, -deseja e destrói, para depois sofrer e compor canções de lamentação. Inana nem sempre desperta -um desejo interior; o que ela faz é reclamar suas necessidades afirmativamente, e celebrar o próprio corpo em canções. Trata-se de uma receptividade ativa. Ela clama pelo preenchimento do corpo, cantando louvores à sua vulva, convidando Dumuzi, “vem para o meu leito para amar a minha vulva, homem do meu coração". É por isso que Inana é considerada a deusa das cortesãs, a prostituta que chama os homens de dentro das tavernas" ao levantar-se no céu como estrela da tarde. E, uma vez no céu, é chamada de noiva e esposa, e hierundela (como suprema sacerdotisa do amor ritual) dos deuses. Fala-se dela como propicia a cura, e ela é fonte de vida, compõe canções - diz-se que as faz nascer, sendo criativa em todos os aspectos. E o desencadear das emoções também está na sua dependência:

Infernizar, instigar, escarnecer, profanar - e venerar - eis o teu domínio, Inana. Depressão, calamidade, mágoa - e alegria e exultação - eis o teu domínio, Inana. Tremor, susto, apavoramento - e deslumbramento e glória - eis o teu domínio, Inana... Inúmeros poemas retratam-na apaixonada, ciumenta, ressentida, alegre, tímida, exibicionista, sorrateira, exaltada, ambiciosa, generosa, e assim por diante: toda a gama de epítetos pertence à deusa. Com frequência Inana é descrita como ,'filha dos deuses" e "donzela" e, na verdade, na época em que seus últimos hinos foram escritos, a deusa, da mesma forma que Atenas, é frequentemente vista como condicionada pela ligação paterna", embora alguns poemas sugiram que ela tenha uma ligação próxima e alegre com a mãe.

23 Kramer, Poetry ol Sumer, p, 94.

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