A beleza sente-se de olhos fechados. Quando emigras para a lua, no voo da serpente.”
eric drooker
“Respiro um ar amargo. A corda rebenta sempre do lado do mais fraco. O branco diz ao preto: a culpa é tua. O rico diz ao pobre: a culpa é tua. O homem diz à mulher: a culpa é tua. A mulher diz ao filho : a culpa é tua. O filho diz ao cão: a culpa é tua. O cão furioso morde o branco e este furioso, grita de novo para o preto: a culpa é tua. E a roda continua por séclos e séculos.
Penso. Quem inventou a moda feminina foi o homem, só pode ser. Inventou sapato de salto alto para que a mulher não corra, e não fuja ao seu controlo. Se pensasse nela, teria inventado umas botas e mocassinos, sapatos do tamanho do chão, para ela poder caminhar, correr e caçar o sustento, como as amazonas. Inventou as suas saias apertadas para obrigar a mulher a manter as pernas fechadas, coladas. Se pensasse nela, teria inventado umas saias bem rodadas, para andar à vontade e refrescar os interiores, nos dias de verão. No lugar disso, inventou as roupas coladas, atrevidas, para poder deliciar a vista na paisagem ondulada de qualquer uma e masturbar-se com o simples olhar.
Em pleno século vinte e um, os homens vestem-nos do tempo de D. Quixote e dizem que estamos belas. Calcinha . Cinta. Soutien. Meia de vidro. Meia saia. Combinação. Saia, blusa, um casaco ligeirinho para acentuar o ar de senhora. Lenço. Cachecol. Colares. Brincos. Pulseiras. Anéis. Puxinhos de cabelo. Rolos. Ganchos, travessões, bandoletes, e a flor dos campos no canto da orelha. Cinto de castidade. Licaho. E os homens? Só cuecas, calças e camisa. Livres para saltar, correr e caçar. Que diferença, meu Deus!
Apetece-me dizer a todas estas mulheres : a beleza não está nas cores da tua roupa. Nem na macieza do teu cabelo. Muito menos nas linhas harmoniosas do teu corpo. A beleza sente-se de olhos fechados. Quando emigras para a lua, no voo da serpente.”
NIKETCHE
UMA HISTÓRIA DE POLIGAMIA
PAULINA CHIZIANE
NOTA À MARGEM:
Dirão que estou "apaixonada" pela escrita desta mulher africana, e estou. Verdadeiramente fascinada pela VOZ e Consciência de uma Mulher e escritora que fala na sua própria Voz e em harmonia e sintonia com a verdade das mulheres no mund, especialmente em África e não fala no tom que a sociedade patriarcal impôs às mulheres "intelectuais e escritoras em geral, com os seus enredos e teorias de amor e liberdade sem verem que são dominadas e usadas nessas mesmas sociedades e que não têm voz própria, a sua voz original.
O que eu admiro nesta escritora é a Voz ancestral e a consciência do mundo em que vivemos, a nossa prisão nas religiões e filosofias falocráticas e o modo como fomos usadas e exploradas até AOS NOSSOS DIAS e no mais pequeno pormenor das nossas vidas íntimas, massacradas e infelizes em todos os continentes.
ACORDAR em si mesma e denunciar a nossa escravidão aos valores e conceitos do mundo patriarcal e das religiões opressoras da mulher, que ainda hoje nos aprisionam no mundo inteiro não é tarefa fácil...mas esta MUlher fá-lo com naturalidade e beleza. Do fundo do coração, com alma e garra. Como não amá-la?
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