A COLONIZAÇÃO CRISTÃ EM ÁFRICA
"Vocês, do sul, ainda não são mulheres, são crianças.
Seres reprodutores apenas".
Ou o que a religião cristã fez das mulheres...
“Vocês, do sul, não se preocupam com coisas importantes - a Maua volta à carga . -Fazem amor à moda da Europa. Concentram toda a energia no beijo na boca, como se o beijo valesse alguma coisa. Dizem que pensamos apenas no sexo? Quantos homens do sul abandonaram os lares para sempre? Chamam-nos atrasadas. Vocês só têm livros na cabeça. Têm dinheiro e brilho. Mas não têm essência. Têm boas escolas, empregos, casas de luxo. De que vale tudo isso se não conhecem a cor do amor? De que vale viajar para a lua para quem ainda não viajou para dentro de si próprio? Já fizeste uma viagem para dentro de ti própria, Rami? Nunca, vê-se pela amargura que tens no rosto. O paraíso está dentro de nós, Rami. A felicidade está dentro de nós. Vocês, do sul, ainda não são mulheres, são crianças. Seres reprodutores apenas. Por isso os homens vos abandonam a torto e a direito. A vossa vida a dois não tem encantos. Por isso, mal declararam a independência gritaram: abaixo os ritos de iniciação. O que julgavam que faziam?
(...)
- Não tens culpa - comenta Saly. - Vocês do sul deixaram-se colonizar por essa gente da Europa e os seus padres que combatiam as nossas práticas. Mas que valor tem esse beijo comparado com o que temos dentro de nós? Depois trouxeram a pornografia, essa estupidez só para enganar os incompetentes e entreter os tolos”
(...)
OS SEGREDOS DAS MÃES...
Sofrimento e dor...
- Porque nunca me falou dos feitiços de amor, mãe?
- Foi por causa da religião, filha. Por causa da cidade. O teu pai é um homem de cidade e pouco ligou às tradições. Tinha os seus princípios e só falava português.
- Ensina-me alguns segredos, mãe.
Ela entra num choro silencioso. Um choro de lua e de seda, que me toca, que me fere, que me inspira. Um espectro de luz se abre, tão claro como um espelho, onde a minha linguagem se reflecte. Vejo a tristeza desta mulher à minha frente. Uma mulher triste como eu. Esta imagem de tristeza terão as minhas filhas, temos nós, mulheres de todas as gerações, de todo o universo.
Paro de falar para poupar-lhe mais dores no velho coração e estabeleço com ela um diálogo surdo.
Apetece-me dizer-te, mãe, que o teu problema ainda é mais leve do que o meu. Tens um carrasco como marido. Eu tenho um carrasco e um polígamo.
(...)
Por isso não te digo nada para não aumentar a tua dor, mãe. Mas, mãe, se tu sabias que era assim porque me trouxeste a este mundo, mãe? Será pela mesma razão que não me contaste as causas da morte da tua irmã querida, mãe?”
In NIKETCHE - Uma História de Poligamia
Paulina Chiziane
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