O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

sexta-feira, outubro 29, 2004


A COLONIZAÇÃO CRISTÃ EM ÁFRICA
"Vocês, do sul, ainda não são mulheres, são crianças.
Seres reprodutores apenas"
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Ou o que a religião cristã fez das mulheres...

“Vocês, do sul, não se preocupam com coisas importantes - a Maua volta à carga . -Fazem amor à moda da Europa. Concentram toda a energia no beijo na boca, como se o beijo valesse alguma coisa. Dizem que pensamos apenas no sexo? Quantos homens do sul abandonaram os lares para sempre? Chamam-nos atrasadas. Vocês só têm livros na cabeça. Têm dinheiro e brilho. Mas não têm essência. Têm boas escolas, empregos, casas de luxo. De que vale tudo isso se não conhecem a cor do amor? De que vale viajar para a lua para quem ainda não viajou para dentro de si próprio? Já fizeste uma viagem para dentro de ti própria, Rami? Nunca, vê-se pela amargura que tens no rosto. O paraíso está dentro de nós, Rami. A felicidade está dentro de nós. Vocês, do sul, ainda não são mulheres, são crianças. Seres reprodutores apenas. Por isso os homens vos abandonam a torto e a direito. A vossa vida a dois não tem encantos. Por isso, mal declararam a independência gritaram: abaixo os ritos de iniciação. O que julgavam que faziam?
(...)
- Não tens culpa - comenta Saly. - Vocês do sul deixaram-se colonizar por essa gente da Europa e os seus padres que combatiam as nossas práticas. Mas que valor tem esse beijo comparado com o que temos dentro de nós? Depois trouxeram a pornografia, essa estupidez só para enganar os incompetentes e entreter os tolos”
(...)


OS SEGREDOS DAS MÃES...
Sofrimento e dor...


- Porque nunca me falou dos feitiços de amor, mãe?

- Foi por causa da religião, filha. Por causa da cidade. O teu pai é um homem de cidade e pouco ligou às tradições. Tinha os seus princípios e só falava português.


- Ensina-me alguns segredos, mãe.

Ela entra num choro silencioso. Um choro de lua e de seda, que me toca, que me fere, que me inspira. Um espectro de luz se abre, tão claro como um espelho, onde a minha linguagem se reflecte. Vejo a tristeza desta mulher à minha frente. Uma mulher triste como eu. Esta imagem de tristeza terão as minhas filhas, temos nós, mulheres de todas as gerações, de todo o universo.
Paro de falar para poupar-lhe mais dores no velho coração e estabeleço com ela um diálogo surdo.
Apetece-me dizer-te, mãe, que o teu problema ainda é mais leve do que o meu. Tens um carrasco como marido. Eu tenho um carrasco e um polígamo.
(...)
Por isso não te digo nada para não aumentar a tua dor, mãe. Mas, mãe, se tu sabias que era assim porque me trouxeste a este mundo, mãe? Será pela mesma razão que não me contaste as causas da morte da tua irmã querida, mãe?”

In NIKETCHE - Uma História de Poligamia
Paulina Chiziane

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