Eu estava nos meus dias de mulher-a-dias carregando a sobrevivência. Eu estava nos meus dias de Penélope fazendo o meu trabalho e desfazendo-o e voltando-o a fazer. Eu estava nos meus dias de Deusa dos Sonhos afagando a vida. Foi quando te pressenti. Do silêncio, um leve restolhar entre folhas. Do frio, um sinistro rastejar. Ao longe, o vórtice a rodopiar dum furacão. O céu um pântano. Empalideço. Todos os verdes musgos se transformam em venenos. As flores em risadas. Os doces aromas em sulfurosas pestilências. Chegas em fúria, todos os elementos te seguem, os bichos escondem-se, humanos que te vissem pasmariam. Todo o teu olhar são crateras que se abrem. Toda tu arrotas e fazes-me arrotar até ao vómito. Tiras-me o meu último apoio, a minha varinha mágica de iludir-me. Transforma-la num chicote sem clemência. Voam pelo ar tempestades de ventos do deserto, vidros de dor de bola de cristal estilhaçada. Ainda me debruço sobre o meu ventre chorando os filhos que tive, para quê? Clamo a Deus porque de mim se serviu para ser sua mãe no mundo? E porquê os homens fizeram de mim a sua escrava? Basta de ser sacrificial e ser carne e terra e sangue para alimentar reinos que não são meu trono. Eu sou a RAINHA DE OUTRO REINO, ME VENEREM E RESPEITEM! Já não sei se sou eu que o estou dizendo se és tu que o estás dizendo em mim…
Sei que num relâmpago, como que um raio me trespassa, e vejo-te subitamente mulher plena. Que ninguém se aproxime. Como és bela! E tu a veres-me velha, minhas rugas, meus seios murchos, meu ar abandonado. Aproximas-te e és real e abraças-me. Beijas-me na boca, vais sorver do mais fundo de mim a inocência que eu ainda tenho e a ti te falta, vais reviver em mim a tua casa, a nossa casa, a tua irmã, e estamos juntas outra vez no paraíso. És tu que manténs a força e me seguras. És tu que sem ciladas não admites que eu agora caia. És tu que juras com raiva, que antes dessa hora, destruirias todas as horas pelas quais a terra é regida. Vejo-te então mais ferida do que eu e sou agora eu que te sustenho. Parece um horto de sofrimento, uma demência a sacudir-nos, uma epifania. Nunca o amor foi tão lúcido. É uma plena reconciliação feita de saudade enorme. Penso que vamos ficar finalmente juntas. É então que me olhas (ainda não sou capaz de descrever esse olhar) e pouco a pouco te vais transfigurando. Enquanto dura esse processo tu gritas-me: Um dia irei ter contigo, mas agora corre, corre, corre! Lilith, o que está para acontecer? Não sei, mas farei o que tu dizes, sabendo que já estás comigo.
GM
Um texto de uma amiga, que me surpreendeu e tocou profundamente. Uma voz mais que se ergue do anonimato das milhões de mulheres desconhecidas que sentem...que buscam esse ENCONTRO consigo mesmas e se desdobram para a união com a "outra" mulher que em si odiaram ou perseguiram na rival e na louca...Agoras unidas, uma só Mulher, a mulher antiga e a do futuro...farão um novo mundo ressurgir e a Mulher Oráculo se fará ouvir na Terra...
rlp
E assim, “Quando as mulheres reafirmam seu relacionamento com a natureza selvagem, elas recebem o dom de dispor de uma observadora interna permanente, uma sábia, uma visionária, um oráculo, uma inspiradora, uma instintiva, uma criadora, uma inventora e uma ouvinte que guia, sugere e estimula uma vida vibrante nos mundos exterior e interior. Quando as mulheres estão com a Mulher Selvagem, a realidade desse relacionamento transparece nelas. Não importa o que aconteça, essa instrutora, mãe e mentora vagem dá sustentação às suas vidas interior e exterior.”
Clarisse Pinkola Estes
Clarisse Pinkola Estes
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