A HIPERTROFIA DA CONSCIÊNCIA...
A submissão é uma qualidade
que subentende o uso do poder e do domínio de alguém sobre outro. O que
caracteriza o feminino é essa amplitude espacial, a terra que acolhe a semente,
que necessita de germinar e desabrochar. Essa qualidade receptiva, que permite
a expressão das sementes do vir-a-ser sem interferência directa (que é comum à
natureza e a natureza da mulher*), tem sido muito mal compreendida e usada com
instrumento de dominação. Esse acolhimento espontâneo permite, numa espera
paciente, o nascimento de respostas criativas dentro dos seus mistérios insondáveis
(mais uma vez que são os da natureza mãe e da mulher**). Nisso consiste a sua força
dinâmica. A submissão, nesse sentido, é a expressão de uma realidade da
natureza, qualidade indispensável a qualquer aspecto criativo. Mas dentro de
uma mentalidade com a direcção exageradamente activa, controladora e
manipuladora, esse aspecto adquire uma conotação pejorativa e perde a sua
essencialidade, sendo esvaziada do seu sentido profundo.
Muitas das qualidades primordiais
do feminino foram deturpadas do seu significado. Foram impostas outras
significações, adequadas a uma mentalidade que valoriza o uso da força sobre o
outro. O feminino viu-se reduzido ao fraco, ao submisso, ao incapaz. Essas atribuições
pejorativas que lhes foram impostas passaram a ser usadas como mecanismo de
controlo. A grande manifestação do feminino é a capacidade de colher, cuidar e
nutrir em seu seio largo e inesgotável. Nesse seio da Terra-Mãe as coisas podem
se desenvolver por si em todas as suas possibilidades, sem que ela nada lhes acrescente
ou precise fazer.
Porém, numa cultura com um
desenvolvimento exagerado do aspecto masculino, as qualidades do feminino serão
muito mal compreendidas. Será feito um uso inadequado, distorcido e
tendencioso. A mulher passa a ser definida de acordo com as conveniências
culturais. Ela, por outro lado, incorpora características que não fazem parte
da sua verdadeira essência. Absorve atitudes psíquicas impostas através do condicionamento
cultural que distorce intencionalmente aspectos do feminino e é usado como
mecanismo de poder.
A submissão foi imposta ao
feminino. As mulheres incorporam essa característica, que marcou profundamente
a personalidade da mulher no mundo patriarcal. Fica garantida, assim, toda a
repressão do mundo feminino, como uma necessidade social patriarcal na busca civilizacional
que teme as forças da natureza. E assim o social se confunde com o essencial. Tudo
o que vem da natureza tem de passar pelo escrutínio repressor patriarcal.
(…)
A visão da inferioridade
feminina tem uma longa tradição histórica que perdura até hoje. Essa identidade
feminina imposta a mulher, foi forjada cuidadosamente ao longo da história da
cultura ocidental. Encontramos também na Génesis a origem da hipertrofia da
consciência. Deus foi criado a partir da hipertrofia da consciência masculina,
que nega e reprime aspectos do feminino, considerados inferiores.
Raissa Cavalcanti
In O Casamento do Sol com a
Lua
*/** os parênteses são meus
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