O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

quinta-feira, junho 23, 2016

DESDE HÁ MILHARES DE ANOS...



PORQUE É O CÉU MELHOR DO QUE A TERRA?

- (...) Em todas as descrições da criação do mundo, há um pressuposto bem instalado que consiste a fazer notar que os homens, o masculino, se apoderou do céu e das águas de cima contra as águas de baixo, que seriam femininas. Porque não? O que me aborrece, é que eles acabaram por convencer todo o mundo desde há milhares de anos que o céu, é melhor que a terra.
Portanto puxei um pouco as coisas na direcção da empatia dizendo que vivemos... num mundo em que se valorizou de tal forma o Espírito, o masculino, o intelecto, e que isso foi feito em detrimento da alma, do sensível e que por isso estamos todos a caminhar para o abismo. Quando defendo a minha Deusa selvagem, eu defendo portanto muito simplesmente um feminino primitivo, autêntico, fecundo, vivo.
(...)


-Yung dizia:

“É preciso que o homem velho se torne maternal”.

É bonito e é verdade. Porque seriamos nós eternamente seres cortados em dois, que não teriam o direito de ter ao mesmo tempo uma alma e um espírito, uma sensibilidade e uma violência feminina e masculina? As deusas divertem-se imenso por esta razão, em particular Ishtar, que é simultaneamente deusa do amor e guerreira. Isto fere a tradição masculina, ao ponto de existir quem conteste que possa existir uma deusa encarnando em simultâneo a violência guerreira e a paixão amorosa. Mas enfim, as mulheres são todas assim! Porque obscura razão só os homens teriam o direito de serem selvagens? – eu entendo selvagem no sentido da Natureza e da Floresta e não da barbárie. Dito isto, penso que a androginia é um estado no qual não se deve ficar. Passemos por lá, mas no fim do processo, restemos homem ou mulher. Não há nada de mais horrível do que uma mulher inteiramente viril que esqueceu a sua parte de ternura.* (…)
 



N.C. – Não houve já no feminino uma tentativa imatura de utilizar a máscara de Kali?

- Kali (deusa indiana da morte e da vida) não tem nada a ver com o feminismo! Com a sua grande roda, esta espécie de lagar de sangue, simboliza simultaneamente a morte e a vida. No feminismo, há um combate que visa a excluir o homem pela raiva e pelo ódio. A minha posição é tudo menos de ódio. Eu vejo com humor as suas reivindicações de um céu supostamente melhor que a terra e eu reivindico a... terra porque ela é concreta e porque ela dá frutos; mas em caso algum eu me sinto em guerra contra o homem. Melhor ainda: eu defendo a androginia que se manifesta através da deusa mãe, a serpente, os gémeos ímpares e criadores do mundo.
O que eu reivindico, é o direito para a mulher, de exprimir o desejo que ela tem mais vivo em si e sem hipocrisias, eventualmente o seu desejo o mais selvagem, sexual ou maternal, sem essa espécie de rendilhados ridículos com a qual a enfeitam e a mistificam. Da mesma maneira que reivindico o direito do homem assegurar a sua parte feminina, a sua anima. O mundo tem tendência aliás para uma espécie de androginia. É o que pode salvar o mundo. A Androginia é com efeito uma forma de eliminar o medo do outro. A partir do momento em que começamos a ver o que o outro sente, como e porque o sente e a ter essa experiência, então aí as barreiras caiem. O que faz medo, é a diferença – o mais elementar dos racismos.*


Entrevista a Joelle de Gravelaine

2 comentários:

Anónimo disse...

Interessante observar e "palpitar" sobre como se formou a cultura e a condição atual.
Imagino que pela violência existente hoje, o quanto mais intensa ela seria a um , dois ou dez séculos atrás?
Assim, a condição feminina, fisicamente mais frágil e tendo a incumbência natural de alimentar a prole, deu ela uma vulnerabilidade social para que o empreendimento
da perpetuação da espécie, o instinto e um "acordo" entre os casais fossem de que o homem iria em busca dos provimentos.
Imagino o que seria o sexo naquela época sem a existência de antibióticos e anticoncepcional.
Esta situação moldou as relações e a cultura que vivenciamos hoje.
A cem anos atrás, a media de expectativa de vida era de 35 anos. Não havia muito a ser feito logo após criar alguns filhos.
Hoje tanto homens como mulheres tem o desafio de saber o que fazer com praticamente mais uma vida que tem com o crescimento médio da expectativa. A cultura do sec passado, de casar aos 20,23 anos, causa hoje a alguns aos 40, 45, não reconhecerem mais seus companheiros e terem mais o mesmo tanto de vida como expectativa.
Li alguma vez em um texto do Jung, algo em relação a que para nos sentirmos completos, criamos teorias, historias e complementos para o que nao conseguimos explicar.
Somos todos, homens e mulheres personagens e vitimas de um processo de renovação e melhora continua. Abço!

rosaleonor disse...


A DIFERENÇA ENTRE AS SOCIEDADES MATRIARCAIS E AS PATRIARCAIS

"Faz sentido que "qualidades "femininas" tais como o cuidado, a compaixão e a não-violência fossem altamente valorizadas nestas sociedades. O que não faz sentido é concluir que as sociedades em que os homens não dominavam as mulheres eram sociedades em que as mulheres dominavam os homens." [...] Riane Aisler

"A questão do texto me aponta para o fato de que, justamente por ser diferente da sociedade patriarcal, ela foi confundida como uma contrapartida antagônica, isto é, se não são os homens a dominar então são as mulheres a fazê-lo. Daí a noção 'matriarcal'. Lembrando que sendo anteriores ao patriarcado, a cisão como há milênios impingida sobre as mulheres ainda nem fazia parte das relações. Estas eram baseadas na parceria. A Riane Eisler fala muito sobre isso. (...) Aqui me parece, os termos matrifocais e matrilineares, fundamentais para sintetizarem precisamente a diferença entre como era a vida das comunidades/sociedades anteriores e posteriores ao Poder da Dominação e suas mazelas sobre toda a Vida."
Malu Moreira