O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

terça-feira, janeiro 31, 2017

O LIVRO: A MORTE DA MÃE


A Mãe Repressora e os Mitos Humanos


“Havíamos aplaudido com o entusiasmo possível, as várias invenções das mulheres: o vestuário, e a cozinha, e os começos da agricultura, e tudo o mais que se formulara por nossos olhos sem encontro com palavras disponíveis. No entanto, sentíamos que esse entusiasmo que nos fora possível, era pouco.
Sim, sentíamos a importância das nossas descobertas: demonstramo-nos como foram as mulheres as iniciadoras e aperfeiçoadoras de todas as passagens de um zero de vital sobrevivência até á construção de uma raça de gestos calculados e largo excedentes; e como o génio perverso dos homens só veio instalar-se sobre essas básicas condições, que lhes permitirão lutas e guerras e outros ambiciosos desperdícios.
Mas havíamos sonhado com a glória dos reinados matriciais – sem nos confessarmos.
Glórias de outra espécie: não os altos brados de dor e violência, não os sons metálicos das armas.
Sonháramos com uma lua vigilante e um sol amigável. Com chuva. Com aldeias que se solidificam: as peles e os paus e os panos das tendas dariam lugar a casas de adobe, de tijolos cozidos ao calor do sol. Chegaríamos mesmo á movimentação de enormes pedras, por processos hoje apenas congeminados, e às tentativas de imortalidade: templos e túmulos.
Aldeias abertas, cidades sem muralhas. Abertas ao mar, aos campos e pastagens em redor…
No centro das aldeias os vastos terreiros; onde os homens estilizavam o uso de sua força física em jogos e desportos…
E as mulheres penteavam e entrançavam seus cabelos, símbolos de força e de engenhos de magia. Gestos, símbolos, jogos técnicas passadas de mão em mão; e flores encarnadas nos canteiros das escadarias dos templos.
- Como poderíamos nós desenterrar tudo isso, sem escrita, sem palavras, sem escavações arqueológicas, apenas com nossa imaginação de amadoras? – dissemos.
Mas sabíamos que outras razões existiam.

A mulher com as palmas das mãos viradas para cima saiu do painel e sentou-se entre nós: sentada sobre os calcanhares, as mãos nos joelhos, com as palmas viradas para cima; expectante também ela. E contou-nos várias outras histórias e fontes de preocupações.

Dizia-se então que a grande Deusa tinha criado os seres humanos.

No seu ventre imenso e fértil ela faz os corpos. E depois neles começos a insuflar a sua magia: vida. Abria uma boca nos corpos, a vulva, e por essa boca os enchia com os poderes mágicos de criação. Metade dos seres humanos estava pronta – as mulheres – quando chegou a hora da deusa: esta tinha que se retirar, descansar, senão esgotaria seus próprios poderes.
Então, apressadamente, nem tendo tempo para abrir nos restantes corpos a boca criadora, a deusa neles pendurou as magias que lhe restavam.
E a deusa disse:
- Ficam bem pobrezinhos, estes seres com suas fontes de vida, seus sexos, assim pendurados entre as pernas. Mas nada mais posso fazer por eles. Chamar-lhes-ei “homens”, e espero que consigam absorver em seus corpos um pouco dos poderes mágicos que tristemente lhes balançam no baixo-ventre, quase caindo.
Apareceram também os vários mitos relativos às diferentes descobertas agrícolas: sempre relacionados com incestos, entre mães e filhas, irmãs e irmãs, irmãs e irmãos, mães e filhos. Porque o incesto é o símbolo do núcleo central e criador das mulheres. E a nostalgia incestuosa representa a memória das alegrias de ser produzido: um outro ser connosco gastou seu tempo, anos de vida, em nós incorporando valor que nos garante futura aceitação e utilidade. “


In “A Morte da Mãe” de Maria Isabel Barreno

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