"Quando o feminino divino, a deusa, deixa de ser reverenciado, estruturas sociais e psíquicas tornam-se super mecanizadas, super politizadas e super militarizadas. O pensamento, o julgamento e a racionalidade tornam-se os fatores dominantes. Necessidades de relacionamento, afeto, carinho e respeito pela natureza permanecem negligenciadas. Não há equilíbrio nem harmonia, seja dentro de si mesmo, seja no mundo externo. Com o desprezo pela imagem arquetípica tão relacionada no amor apaixonado, ocorre na mente divisão de valores, unilateralidade. Como resultado, ficamos tristemente mutilados em nossa busca da integridade e da saúde. "*
"Os homens, na verdade, decidem se suas divindades supremas devem ser femininas ou masculinas; o lugar da mulher na sociedade é sempre aquele que lhe foi designado pelo homem; ela jamais, em tempo algum, impôs sua própria lei". Frazer
FALTA AO MUNDO O AMOR MÁGICO
As mulheres de hoje são apenas um pálido reflexo das mulheres de outrora…As mulheres matriarcas e as sacerdotisas do amor desapareceram da face da Terra e ninguém sabe hoje o que é o Amor Mágico. Porque as mulheres deixaram de ser mágicas…deixaram de ter magia e poder.
Elas estão cada vez mais longe das Musas inspiradoras, das Sacerdotisas da Deusa, longe das Feiticeiras, das Mulheres de alma, das mulheres plenas e fecundas, das mulheres autênticas, das mulheres selvagens... que exprimiam a sua sensualidade sem medo nem artifícios...
Por tudo isso não há, na sociedade actual e neste mundo globalizado, feito de plástico e falso, lugar para o verdadeiro amor e ele é cada vez mais raro, tal como a mulher original....
Tudo o que neste mundo devassado pelo consumo e o comércio se vive é conectado sexualmente, com a mais baixa sexualidade, o instinto primário, em que se confunde genitalidade com sensualidade, mas mesmo a sexualidade mais séria, a dos manuais médicos?...ou a do kamasutra e do tantra, está cada vez mais longe da sua essência e o que temos é pornografia, sado-masoquismo, vampirismo, em vez de erotismo.
Não damos espaço ao amor verdadeiro e apenas nunca é só sexual...que é sempre outra coisa mais além, uma corrente de vida, um fluxo de energia, uma ressonância do ser que abrange outro ser à partida; não, não vimos que o amor vem da alma, e que pode e deve expressar-se sexualmente se houver reciprocidade, integridade e respeito humano, seja em que situação for, e tal como dizia Fernando Pessoa, “no amor o sexo é um acidente”, não é factor determinante, nem um fim em si.
Mas as mulheres de hoje e que se pretendem modernas e emancipadas vivem o sexo mesmo sem amor…sem mistério sem emoção sem nada...quase sempre…por desprezo de si, alienadas da alma e do espirito, por isso tanta violência, tanta assassínio em nome ..do amor...
Hoje em dia já não há sentimentos, nem emoções, nem respeito - ninguém deixa sequer o Amor acontecer, nem no namoro...a sedução, o conhecer o outro/a...antecipam-se as experiências sexuais, pela mecânica do acto, só pelo “prazer” do sexo bruto pelo dinheiro…
in mulheres e deusas - 2012
rlp
COMO TUDO COMEÇOU...
"Os homens fazem os deuses: as mulheres os veneram"
Simone de Beauvoir, in The Second Sex, p. 87
"Com o surgimento da política, do militarismo e do comércio gerou estratificação social. A mulher tornou-se subordinada porque seus papéis deixaram de ser importantes para os novos valores. À medida que se desenvolviam estradas de comércio e que tribos guerreiras conquistavam partes de outras civilizações, as culturas de diferentes povos começaram a se mesclar. As divindades de uma cultura incorporavam-se às da outra. O número de deuses e deusas a serem cultuados alcançava proporções impossíveis, e novo problema se apresentava: e se algum fosse esquecido? E um Deus Supremo, portanto, veio a ser reconhecido.
Do ponto de vista da sociedade patriarcal dominante, Ele era um ser masculino. O homem criou Deus à sua imagem. O homem estabeleceu novas doutrinas religiosas e novos cânones, de acordo com suas crenças na supremacia masculina. Com o passar do tempo, os templos do amor deram lugar à casa do Senhor, deslocando radicalmente os papéis da mulher nos ritos religiosos. No culto à deusa, como vimos anteriormente, o sexo era trazido de maneira aberta e reverencial ao altar da divindade. A seu templo homens e mulheres vinham para encontrar vida, e tudo oque lhes era oferecido era prazer sensual e deleite. Mas com a mudança nos valores culturais, e com a institucionalização do monoteísmo e do patriarcado, o indivíduo passou a vir à casa do Senhor para preparar-se para a morte, com a promessa da felicidade eterna mediante o simples cumprimento das leis. Sob a nova tradição, a mulher tornou-se Eva, a encarnação da sedução sensual, a razão da ruína do homem; ela
fora tentada por forças demoníacas e, por sua vez, tentou o homem. Sua simples existência era advertência para os desejos físicos, aos quais era necessário resistir mediante o medo da punição eterna. A prostituição profana continuava a florescer, e a natureza sexual da mulher era associada a ela ou por ela julgada. Tendo deixado de ser vista como dádiva do divino, a sensualidade da mulher passo a ser rebaixada e explorada. As mesmas qualidades pelas quais a mulher fora outrora considerada sagrada, agora vieram a ser a razão pela qual era degradada. Em nome do Senhor o homem começou a destruir todos os vestígios da deusa e de sua defesa da felicidade sexual. O amor passou a ser dissociado do corpo para que os seres humanos pudessem alcançar união puramente espiritual com Deus. Os primeiros Padres da Igreja cristã, a fim de não comprometerem a segurança de uma religião masculina e monoteísta, reprimiam fortemente qualquer associação coma deusa em doutrinas da Igreja. A Trindade era a do patriarcado; Maria pode ser cultuada, mas não adorada, para evitar que ela se torne canal pelo qual a veneração da deusa seja restabelecida. Epifânio ordenou: "Deixe que o Pai, o Filho e o Espírito Santo sejam adorados, mas não deixe que ninguém adore Maria".
Deixou de haver uma imagem do feminino divino. O feminino deixou de ser visto como fonte de prazer físico e êxtase espiritual- um sentimento global de harmonia interior. São Paulo falou em muitas ocasiões dos demônios do sexo e da posição subordinada da mulher. Ele exortava seus ouvintes: "É bom para todo homem não tocar as mulheres. Todavia, para evitar fornicação, que todo homem tenha sua própria mulher".
O celibato era o estado ideal, mas o casamento era permitido por ser a carne muito fraca. "Mas se eles não têm continência, deixe que se casem, pois é melhor casar do que arder."•
•O casamento acarretava também injunções; sua finalidade não era o prazer sexual, mas a criação de novas almas para adorar a Deus. Homem e mulher não deveriam cruzar a fronteira do amor e do relacionamento físico para satisfazer seu bem-estar espiritual. A adesão à lei canônica significava que o relacionamento sexual só deveria servir ao propósito da procriação.
O maior dos méritos, então, era negar a natureza humana e abster-se de tudo oque fosse fonte de prazer. Uma vez que a mais acalentada das felicidades era o relacionamento sexual, homens ascéticos renunciavam completamente a ele e reprimiam o desejo através do jejum, da autopunição e de todos os tipos de privação pessoal. São Francisco de Assis ordenou que um companheiro seu oarrastasse pelas ruas a fim demortificar seu corpo. Outros ainda inventavam todos os dispositivos imagináveis para se afligirem comdor física e agonia, em suas tentativas de dominar ocorpo e atingir oestado de espiritualidade pura. Se tais medidas não alcançassem êxito no sentido de matar todo o desejo, então às vezes recorria-se à castração. "*
**Nancy Qualls-Corbett
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