O retorno da Deusa no dia da Anunciação
Festa da anunciação, 25 de março, dia em que o arcanjo
Gabriel desceu ao mundo dos Homens para "fecundar", por via do
Verbo, Maria com a semente de Deus, que nasceria dentro de nove meses,
precisamente a 25 de dezembro - outra data especial no calendário de Outros
Tempos. O deste dia é um marco primordial para as convicções cristãs, que para
prevalecer por entre um arraigado culto banido, mascarou-se com o significado
da maternidade divina, poucos dias depois do equinócio da primavera.
Hoje, celebra-se, com menos pompa e circunstância, o Retorno
da Deusa, montada no seu felino ou nos alvos gansos, a soprar do seu corno a
abundância pelos solos que começam a regenerar-se do frio. Ela traz também no
seu ventre o filho que tornará a primavera na estação germinativa.
Se é tempo de celebrar o mistério da Encarnação, que
conferiu à Virgem o estatuto de "Mãe de Deus", também é o de saudar a
portadora da energia crescente da luz e da vida. O seu espírito, outrora
percionado por belas e cristalinas epifanias de Virgens envoltas por um véu de
luz, e dotadas de poderes mágicos de cura, são reminiscências de Deusas como
Birgit, Holda e Cíbele, Portadoras de Luminescência.
Os romanos escolheram este mês para as festividades de
Hilarias, em honra de Cíbele, com ponto alto a 25 de março. A Deusa frígia que
acolheram pela vitória concedida pela Mãe dos Deuses, a Magna Mater, na
batalhas Púnicas. A grande deusa da fertilidade das Montanhas da velha
Anatólia, progenitora e consorte de Átis, cultuada nas civilizações clássicas.
A Ela, os romanos ergueram um templo no monte Palatino (de Palas, deusa
original desse lugar) e promoviam o taurobolo (sacríficio do touro- ritual
comum nas celebrações a Mitra, a 25 de dezembro). Março está carregado de
simbolismo feminino, que atinge o seu apogeu em maio, agora pela devoção
popular ao culto mariano, sempre, embora não explicitamente, em estreita
relação entre a fertilidade ecológica e a gestação de Maria. Os santuários da
Virgem foram erguidos em locais de grande beleza natural, altaneiros -próximos
do cerúleo, ou junto a nascentes de água com propriedades medicinais, ou em
lendas de fecundidade da terra, salvando-a de pragas.
Sentem-se nestas antigas devoções, que se transferiam com
outro tipo de carga emocional para a Virgem Maria, o respeito pelo cariz
protetor, auxiliar e promotor das divindades femininas: pela consciência e
respeito pelos ciclos naturais, pela fonte de vida. A Deusa é apenas o
paroxismo da relevância da Mulher nos contextos mundanos e igualmente
determinante para o desenvolvimento humano. A Astrologia Tradicional dá-nos
nota dessa relevância de uma mãe próxima, zeladora, pedagoga e mistagoga, ao
priveligiar a Casa X, o Meio Céu, o zénite numa carta astrológica, como domínio
materno. Neste lugar de culimanação dos astros, não vislumbramos somente o
poder temporal, as figuras de autoridade e as ações com impacto social, que
tipo de projetos ou objetivos que um indivíduo seguirá ao longo da sua
existência, ou mesmo a sua vocação e carreira: a Casa X é a dignidade Mãe. É
sobre a mãe que recai a responsabilidade maior de orientar os filhos, de lhe
prestar uma educação positiva, de lhe oferecer amplas oportunidades de
crescimento físico, cognitivo e sócio-emocional.
Os processos proximais, postulados na Psicologia de
Desenvolvimento, afiançam esta certeza de senso-comum dos povos antigos e dos
sábios da Antiguidade. A qualidade da responsavidade da mãe aos comportamentos
oferece à criança um campo profícuo na capacidade de regulação dos mecanismos
que lhe garantirão, mais tarde, a sobrevivência. A falta de uma resposta ou a
negligência expõe a criança a níveis de stress que lhe causarão danos
prejudiciais na arquitetura do Sistema Nervoso. A interação da criança com a
mãe é determinante para o seu futuro como adulto: a resiliência, autoestima,
confiança e vontade na escolha de uma vocação ou caminho a seguir ao longo do
seu desenvolvimento até à velhice. A Mãe é, pois, a nossa maior autoridade na
transmissão de valores, por isso merece estar no ponto soberano da roda zodiacal
- como as Deusas, nos lugares altos da nossa natureza interna.
CRISTINA AGUIAR - autora do livro AS Máscaras da Grande Deusa
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