O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

sábado, setembro 02, 2017

COMO SE APAGAM AS MULHERES NOTAVEIS DA HISTÓRIA



“MINIMIZAR, DENEGRIR E RIDICULARIZAR
AS MULHERES NOTÁVEIS DO MUNDO ANTIGO


Na mesma linha de pensamento que tenho vindo a desenvolver, parece igualmente possível considerar o androcentrismo, sob a capa de universal neutro, como um factor importante do silenciamento ou da minimização das mulheres que, apesar de toda a invisibilização, não foi possível fazer desaparecer da história das ideias e da cultura. Sobretudo os casos de Safo e Aspásia podem ser tomados como paradigma da ...ocultação do feminino para fazer crer, deliberada ou inconscientemente, que as mulheres sempre se limitaram ao gineceu e que a dominância do masculino foi universal, pacífica e “segundo a natureza das coisas”.
(…)
A recepção de Safo e Aspásia tem em comum o facto de ambas serem articuladas com a questão da sexualidade; contudo, tem também diferenças que se prendem com o que pode ter sido a sua história pessoal e os tópicos pelos quais adquiriram relevância.
Quanto a Aspásia, a maior parte das pessoas para quem o seu nome tem algum significado associam‑na à sua relação amorosa com Péricles, de quem foi amante. Saberão, certamente, também, que ela tinha uma grande influência nele, nomeadamente, para as coisas negativas, mas, de um modo geral, não se associará Aspásia a um círculo de elite intelectual de Atenas, onde ela pontificava como os homens notáveis que também o integravam, evidenciando com a sua existência que havia, em Atenas, outras maneiras de se ser mulher sem ser a de esposa fiel e submissa de qualquer ateniense, garantindo através dessa fidelidade e submissão a honra do nome e a posse dos bens. Este olhar global e generalizado sobre Aspásia testemunha do mesmo ideologismo interpretativo que se encontrou em Safo, mostrando que quando não é possível ignorar as mulheres divulga‑se delas aquilo que é mais desprestigiador aos olhos de uma moral, também ela apenas, pretensamente, neutra.”



FERNANDA HENRIQUES, in “Concepções filosóficas e representações do feminino: Subsídios para uma hermenêutica crítica da tradição filosófica”

1 comentário:

Mariana Inverno disse...

Na difícil passagem da era clássica para a cristã, a grandeza intelectual e intuitiva das mulheres foi propositadamente neutralizada/abafada/castigada (é só escolher o termo, servem todos). Isto acontece, aliás, há mais de cinco milénios e prossegue nos nosso dias, sob máscaras diferentes.
Mas a essência da mulher é solar, não precisa de ser reflectida por satélites, se liberta do que ainda a aprisiona.