O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

segunda-feira, agosto 06, 2018

Há muitas formas de anestesiar os sentimentos...



TODO O VICIO DERIVA DE UMA CARÊNCIA - de um vazio - as mulheres são especialmente esvaziadas de si e conservadas em estado de alienação do seu verdadeiro ser, obrigadas a negar a sua natureza profunda e a adaptar-se ao Sistema Vigente que as nega e as explora e anula como Entes Livres e com vontade própria. Daí as mulheres serem consideradas muitas vezes de doentes e viciadas…
Todas estas pesquizas em geral - esta é  excelente - são feitas a partir dos sintomas e sem se abordar causas remotas nem a origem do drama da mulher, especificamente no caso, embora também se possa aplicar ao homem. A falta de amor e de autoestima leva os seres humanos a se auto-destruirem…
rlp



Excerto de artigo muito lucido sobre o vicio…

…"As mulheres viciadas não eram estudadas separadamente até os anos 1970. Desde então, a pesquisa tem encontrado diferenças fundamentais nos modos como homens e mulheres usam drogas e outras substâncias. As mulheres são muito mais propensas a usá-las como auto-medicação, para lidar com a raiva e a depressão, e como anestesia para lidar com eventos traumáticos tais como abuso sexual na infância ou alcoolismo em família, enquanto os homens são mais propensos a usá-las para recreação e prazer. Há muitos anos sabia-se disto para o álcool e os cigarros. Mais recentemente, isto foi verificado como verdadeiro também para os excessos alimentares. Um levantamento em 1100 pacientes de programas para a perda de peso relatou que as mulheres tendem a comer excessivamente quando zangadas ou tristes ou usam a comida como consolo quando sozinhas ou deprimidas. A pesquisa verificou que homens obesos tendem a comer excessivamente em situações sociais positivas, quando estão celebrando ou quando são encorajados, por outras pessoas, a comer.

Uma coisa que aprendemos com certeza é que, para as mulheres, os vícios são enraizados no trauma. Vários estudos descobriram que as mulheres alcoólatras têm mais tendência do que os homens a ter experimentado privação e rejeição na infância, incluindo ausência, divórcio, morte ou alcoolismo de um dos pais. Elas também tendiam a terem sido abusadas sexualmente. De fato, a psicóloga Sharon Wilsnack constatou em seu estudo de 1997 que abuso sexual na infância é o mais forte indicativo (predictor) para a dependência de álcool em mulheres, mais forte inclusive que uma história de alcoolismo na família. Ela estima que, na infância, metade dos quatro milhões de mulheres alcoólatras nos EUA foram abusadas sexualmente. Em seu estudo, aquelas que foram molestadas quando crianças têm uma taxa de depressão mais de duas vezes maior que o das outras mulheres.

De acordo com a pesquisadora Becky Thompson, pelo menos a metade das mulheres com problemas alimentares foram abusadas sexualmente quando crianças. Vários estudos mostram que de 55 a 99% das mulheres em tratamento por vício em drogas relataram uma história de trauma físico ou sexual, a maioria deles ocorreu antes dos 18 anos de idade e estavam relacionados a repetidos assaltos durante a infância. Quando as mulheres eram vítimas de ambas as formas de abusos, elas eram duas vezes mais propensas a abusar de drogas do que aquelas que tinham experienciado apenas um tipo de abuso. Outra pesquisa descobriu que, sem importar que o vício fosse em álcool, heroína, outras drogas ou comida, de 34 a 80% das mulheres viciadas eram sobreviventes de abuso sexual. A enorme diferença nas estatísticas reflete o quão impossível é saber os números exatos, mas mesmo o número mais baixo, um terço, é estarrecedor. Sabemos bem que nada mais produz um sentimento tão profundo de “condenado ao isolamento”.

O abuso sexual é o mais corrupto relacionamento, a mais terrível desconexão. E, como temos aprendido nos anos recentes, ele é mais comum do que muitas pessoas querem acreditar. Uma revisão de 166 estudos realizados entre 1985 e 1997 concluiu que de 25 a 35% das meninas e de 10 a 20% dos meninos são sexualmente abusados, normalmente, por homens que eles conhecem e confiam. Este abuso frequentemente leva à desordem de estresse pós-traumático (DEPT), com seus terríveis sintomas de ataques de pânico, pesadelos, depressão, flashbacks e episódios de dissociação. Vários estudos descobriram que de 30 a 60% das mulheres em tratamento por uso excessivo de drogas sofrem de DEPT – duas a três vezes mais que a taxa entre os homens em tratamento. Os homens também sofrem terrivelmente pelos abusos sexuais, naturalmente, - o uso excessivo de múltiplas substâncias entre os meninos que foram sexualmente abusados era de 18 a 21 vezes maior do que entre os meninos que não foram abusados.

Quando o próprio corpo não está seguro, as pessoas frequentemente escolhem “deixar o corpo”, dissociam. Dissociação é um mecanismo de defesa muito comum usado pelas pessoas que foram abusadas. De acordo com a teóloga Rita Nakashima Brock, “as estimativas mostram que 80 a 95% das prostitutas nos EUA, quando crianças, foram sexualmente abusadas. Os mecanismos psicológicos da dissociação que elas aprenderam, para sobreviver ao abuso sexual, são os mesmos que elas têm que usar para sobreviver como prostitutas. Não são saudáveis os mecanismos psicológicos que as pessoas usam para sobreviver em um negócio onde elas servem estranhos neste esquisito estilo sexual sem intimidade.” Quando uma pessoa dissocia, essencialmente, ele ou ela “não está lá” – não presente à relação ou capaz de conexão profunda. Nas proximidades do trauma, dissociamos à vontade. Anos mais tarde, quase sempre, algum tipo de droga ou vício é necessário para manter a dissociação. Visto por esta luz, algumas publicidades são de arrepiar, como a publicidade de cigarro que diz, “ela foi para Capri e não voltará”, a publicidade de álcool que promete “sua ilha especial”, e a publicidade de chocolate que afirma “algumas vezes, você está mais em contato com o mundo quando você está fora de alcance.”

O álcool é uma droga perfeita para quem está procurando e temendo conexão porque ele dá a ilusão de intimidade, enquanto faz da intimidade real algo impossível. Isto é reforçado pelas publicidades que, com sua luz âmbar e ceninhas confortáveis, continuamente promete um fim para o isolamento – um isolamento que o excesso de álcool virtualmente garante. Pessoas com problemas alimentares também escapam de seus corpos de várias maneiras. Elas podem desperdiçar-se até que muito pouco tenha sobrado de seus corpos ou elas podem esconder-se sob camadas de gordura. Para se sentir plenas, elas podem empanturrar-se e então se purgar para se sentir vazias e “limpas” novamente. Nos dias atuais, raramente, há fronteiras claras entre os vícios. Muitas mulheres, em particular, têm sofrido múltiplos traumas e a maioria das mulheres viciadas possui vários vícios.

Há muitas formas de anestesiar os sentimentos. Algumas são muito mais aceitáveis culturalmente do que outras. No entanto, todas elas têm raízes similares em diferentes formas de abuso na infância, vergonha e raiva. Eu não penso que a raiva seja o fundamento. Eu penso que o fundamental é o fracasso. Nos voltamos para o álcool, os cigarros, outras drogas e comida porque tememos que não sejamos capazes de suportar o fracasso se estivermos realmente conscientes. Nunca queremos voltar lá novamente. Mas devemos, se queremos nos recuperar.

Naturalmente, ninguém precisa ser mulher para experienciar um sentido de condenação ao isolamento. Desconexões angustiantes também ocorrem na vida dos homens, mas os homens são socializados para responder de modo diferente das mulheres a estas violações. Homens que observam suas mães serem espancadas na infância têm maior tendência a se tornarem espancadores, enquanto mulheres tendem a se tornar vítimas de espancadores. Homens que, como crianças, são sexualmente abusados tendem a se tornar predadores, enquanto as mulheres frequentemente acabam, mais obviamente, causando danos a si mesmas, casando-se com homens que abusam de crianças ou se tornando prostitutas.

Mesmo na infância, as meninas são preparadas para se sentir mais responsáveis que os meninos pelas falhas nos relacionamentos. Muitas mulheres, maltratadas por seus pais como crianças, gastam suas vidas tentando curar homens maltratados, esperando a cada vez fazer a relação endireitar. As filhas de homens que as rejeitam acabam com homens que irão abusar delas. Os filhos de espancadores e mulherengos repetem o ciclo sem fim

(…)

Publicidade e desconexão
Jean Kilbourne

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