O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

sábado, maio 07, 2005

ONDE ESTÁ DEUS, MESMO QUE NÃO EXISTA? Quero rezar e chorar, arrepender-me de crimes que não cometi, gozar se perdoado como uma carícia não propriamente materna.
Um regaço para chorar, mas um regaço enorme, sem forma, espaçoso como uma noite de verão, e contudo próximo, quente, feminino, ao pé de uma lareira qualquer...Poder ali chorar cousas impensáveis, falências que nem sei quais são, ternuras de coisas inexistentes, e grandes dúvidas arrepiadas de não sei que futuro.
(...)
Um colo ou um berço ou um braço quente em torno ao meu pescoço...Uma voz que canta baixo e parece querer fazer-me chorar....Um ruído de lume na lareira...Um calor de inverno...Um extravio morno da minha consciência...E depois sem som, um sonho calmo num espaço enorme, como lua rodando entre estrelas.
(...)
Ergo os olhos e vejo as estrelas que não têm sentido nenhum...E de tudo isto fico apenas eu, uma pobre criança abandonada, que nenhum Amor quis para seu filho adoptivo, nem nenhuma amizade para seu companheiro de brinquedos.

Tenho frio de mais. Estou tão cansado no meu abandono. Vai buscar ó Vento, a minha Mãe. Leva-me na noite para a casa que não conheci...torna a dar-me ó Silêncio, a minha ama e o meu berço e a minha canção com que eu dormi.


FERNANDO PESSOA

VEM, DOLOROSA,
MATER-DOLOROSA DAS ANGÚSTIAS DOS TÍMIDOS
TURRÍS-ÉRBURNEA DAS TRISTEZAS DOS DEPREZADOS,
MÃO FRESCA SOBRE A TESTA EM FEBRE DOS HUMILDES,
SABOR DE ÁGUA SOBRE OS LÁBIOS SECOS DOS CANSADOS.
VEM LÁ DO FUNDO


Fernando Pessoa

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