"A amazona é aquela que recusa essa distribuição de competências, pois pura e simplesmente eliminou os homens de sua estrutura política e social. Na Ilíada, essas guerreiras são chamadas por Homero de antianeira (anti-homem). O prefixo grego anti, nesse caso, pode ter o sentido de “contra” o homem, mas também de “igual” a ele.
As subversivas e sedutoras amazonas
- A mitologia colocou em cena esse povo estranho, formado por
mulheres-soldados aguerridas, que recusavam a autoridade masculina e encarnavam
o avesso do que pregava a sociedade antiga - por Catherine Salles
As amazonas pertencem ao domínio da transgressão. Essas
guerreiras mitológicas simplesmente desprezavam os valores femininos vigentes
na Antiguidade. Por isso, os gregos as viam como um desafio a qualquer “lei
natural” ou social. Mais ainda, como um mal encarnado e ambíguo, que causava
repulsa e, ao mesmo tempo, seduzia os homens. De fato, elas tinham em si uma
centelha revolucionária, capaz de virar pelo avesso todas as certezas da
sociedade grega.
No mundo real, a mulher era sempre um ser menor, e sua função essencial era parir os futuros cidadãos da Grécia. O homem e a mulher eram complementares, mas sua natureza, de acordo com a vontade dos deuses, era essencialmente diferente, daí serem considerados unicamente viris o trabalho no campo, a caça, o treino desportivo e a guerra. Por extensão, as gregas também eram alijadas do poder político.
As virtudes femininas eram a obediência e o pudor. Um texto de Aristóteles evoca bem o modo como os gregos justificavam pela ordem natural as relações entre sexos e define por antítese o que seria impossível para a mulher: “A natureza criou um sexo forte e um sexo frágil. O primeiro, em razão da sua virilidade, está mais apto a afastar os adversários, o segundo está mais apto a realizar-se sob a guarda masculina, devido a uma tendência natural para o medo. O primeiro traz para o domicílio os bens do exterior, o segundo vela sobre o que está em casa”.
O texto prossegue da seguinte forma: “Na divisão do trabalho, o primeiro, menos afeito ao descanso, encontra prazer no movimento. O segundo está mais apto a levar uma vida sedentária e não tem forças suficientes para a vida ao ar livre. Enfim, se os dois sexos participam na geração das crianças, o bem destas últimas irá exigir de cada um dos pais um papel particular: a mulher terá a função de alimentá-las, o homem, a de educá-las”.
A amazona é aquela que recusa essa distribuição de competências, pois pura e simplesmente eliminou os homens de sua estrutura política e social. Na Ilíada, essas guerreiras são chamadas por Homero de antianeira (anti-homem). O prefixo grego anti, nesse caso, pode ter o sentido de “contra” o homem, mas também de “igual” a ele.
A deusa Ártemis (Diana para os romanos) era venerada pelas amazonas, pois, como elas, habitava os espaços selvagens, recusava a sociedade dos homens e se dedicava à caça
O nome das fabulosas criaturas vem dessa prática: a-mazos
significa “sem seio”. Por alguma razão, porém, a iconografia disponível costuma
mostrá-las com os dois seios intactos. Além do significado prático, a mutilação
do seio tem um aspecto simbólico: elas permaneciam mulheres pelo lado esquerdo
e tornavam-se homens pelo direito.
As guerreiras veneravam Ártemis, que, como elas, habitava os
espaços selvagens, recusava a sociedade dos homens e dedicava seus dias à caça.
Os relatos antigos sobre esses lendários seres informam que sua sociedade era
dividida geralmente em duas tribos, cada qual com sua rainha. Enquanto uma
estava ocupada com a guerra, a outra permanecia sedentária, para proteger seu
povo. Sua hipotética “cidade” chamava-se Themiscrya, situada além do mar Negro,
às margens do rio Termodonte.
As amazonas podiam fazer longínquas incursões. São
atribuídas a elas invasões na Ásia Menor e na Grécia. Em uma delas, Myrina, à
frente de 20 mil guerreiras a cavalo e 3 mil a pé, declarou guerra aos
habitantes de Atlântida, tomou conta da cidade, massacrou os homens prendeu
mulheres e crianças. Elas eram temidas por andarem armadas e em bandos, mas
também porque, não aceitando a presença de homens em seu meio, acasalavam como
os animais, desprezando as regras do casamento entre humanos. Uma vez por ano,
se entregavam aos povos vizinhos e obrigavam os homens a ter relações com elas.
Tudo acontecia aleatoriamente, na escuridão, de modo que não pudessem
reconhecer seus parceiros. Eram elas que violentavam e “usavam” os homens.
Quando nasciam as crianças, conservavam as meninas e matavam
os meninos. Recusavam-se a amamentar as filhas, com medo de deformar os seios,
e criavam-nas com leite de égua.
Não conheciam a navegação nem a cultura dos cereais – daí
vem a outra etimologia proposta para seu nome, a-maza também quer dizer “sem
cevada”. Alimentavam-se de carne crua. Para os gregos, as amazonas não pertenciam apenas ao domínio da lenda. Muitos escritores procuraram emprestar fundamentos históricos às aventuras das guerreiras anti-homens.
Heródoto consagrou-lhes inúmeros capítulos da obra
Investigações. Segundo ele, quando os gregos conduzidos por Hércules voltaram
para tomar o cinturão de Hipólita, trouxeram amazonas como prisioneiras. Elas
reagiram em dado momento, mataram-nos e jogaram os corpos no mar.
Ignorando tudo o que dizia respeito a navios e navegação, as
mulheres deixaram então que a embarcação seguisse à deriva até encalhar no
território dos citas, que viram no episódio uma ameaça de invasão. Partiram
para o ataque, até perceber que os “inimigos” eram mulheres. Decidiram, então,
“domesticá-las”, para gerar filhos corajosos. As amazonas aceitaram se unir aos
jovens citas, mas logo tomaram as rédeas da coabitação: eles foram obrigados a
deixar seu país e suas famílias para acompanhá-las até suas terras.
As amazonas foram reencontradas em textos históricos
posteriores. Por três vezes, entre 331 e 324 a.C., os exércitos de Alexandre, o
Grande, encontraram as guerreiras. Sua rainha, Talestris, foi ao encontro do
rei macedônio e passou 13 noites com ele.
Em 63 a.C., o general romano Pompeu, perseguindo o rei
Mitridates, chegou ao pé das montanhas do Cáucaso, onde enfrentou os albaneses.
Após o combate, encontrou sobre o campo de batalha escudos leves e sandálias
femininas. De acordo com algumas fontes, entre os prisioneiros de guerra
encontravam-se inúmeras mulheres que, por falta de termo melhor, os romanos
chamaram de amazonas.
Nestes dois últimos exemplos, há uma grande distância entre
as mulheres-soldados e as lendárias amazonas. Mas, penetrando em terras
distantes, onde mal conheciam os povos e costumes, os ocidentais enfrentaram
exércitos locais em que as mulheres combatiam como os homens – por falta de
outra referência, gregos e romanos viram nelas a encarnação das guerreiras
mitológicas.
Na literatura, as amazonas foram protagonistas de algumas
histórias imortais. Em uma delas, Teseu, tendo acompanhado Héracles (ou
Hércules) em sua expedição até o reino das guerreiras, foi seduzido pela beleza
de uma delas, Antíope. Sob o pretexto de lhe mostrar seu navio, ele a levou a
bordo e zarpou imediatamente rumo a Atenas.
Furiosas com o rapto, as amazonas atacaram a cidade tempos
depois. Teseu conseguiu convencer seus compatriotas a enfrentar o temível
exército feminino, e começou uma batalha aos pés da colina de Pnyx. No começo,
elas levaram vantagem e perseguiram os adversários fora dos muros de Atenas.
Depois os homens adquiriram vantagem e venceram a guerra. Antíope morreu
atravessada por um dardo durante o conflito. Ela tivera tempo de dar a Teseu um
filho, Hipólito, que herdou da mãe o gosto pela caça e era muito casto. – C. S.
3 comentários:
Olá Rosa!
Não sei se conhece a lenda, mas deixo assim mesmo, que pode ser de alguma valia:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Icamiabas
Josaohat
Adoro as histórias mitológicas, spre trazem o muito da sabedoria humana para nos mostrar o algo além. Gde bj
Eu não duvido que tenham havido mulheres guerreiras.Eu acho que as mulheres lutaram mas como tinham filhos pequenos ou grávidas ficaram em desvantagem. Tem vários livros, como da xarope da Elisabeth Badinter, que "duvidam" que já houve matriarcado.. E os matriarcados que hoje JÁ existem, como os Aka, Ede e Mosuo (que inclusive adotavam a religião da Deusa Daba antes do budismo )? .E o que falar da guerreira africana Nzinga, Joana Darc, Hipátia,Maria Quitéria? Como disse Rosa Bonheur : "“Por que não terei orgulho de ser mulher?”
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