"Não creio que as mulheres tenham problemas de solidão.
Estão preparadas para a solidão e, em geral, para toda a espécie de sofrimento; a natureza dotou-as com singulares poderes de resistência, o que os doutos alquimistas diziam ser humor frio e incapaz de maturidade intelectual.
Acho mesmo que a solidão é um estado natural da mulher; e por isso todos os movimentos ascéticos que envolviam retiro e culto da experiência espiritual, desde as vestais de Roma até às Damas do Amor ...Cortês, na Provença, partiam dum sentimento feminino muito acentuado.
Os homens não encaram bem esse protótipo de mulher espiritual, porque ele é o único que recria a independência feminina depois do primeiro Éden.
E diz-se primeiro Éden porque, segundo as Escrituras, houve, antes de Eva, uma mulher pura, inteligente e igual ao homem, de grande condição metafísica, porém cruel e sumamente poderosa. Chamava-se Lilith.
Em suma, o mito da mulher fatal, que o homem teme e, ao mesmo tempo, pretende conhecer como sua verdadeira metade.
O dilema é este: nós as mulheres, somos prosaicas, sobretudo quando somos naturais.
É próprio daqueles que são delicados e frágeis o serem terra-a-terra, porque isso lhes dá a impressão de estarem mais protegidos.
A realidade protege mais do que os sonhos, do que as coisas imaginárias."
Agustina Bessa-Luís
In "Dicionário Imperfeito"
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