Não é meu costume publicar nada sobre o Homem em geral ou sobre Travestis e quase sempre rejeito as teorias de Género
assim como as ideologias que as defendem,
mas resolvi publicar este texto de uma amiga, Laura Serra, que fez estes comentários no Facebook a várias
questões que eu coloquei e achei importantes e porque RESPEITO esta visão no sentido humano mais profundo e porque ela inclui a dimensão do Sagrado.
Portanto quando eu digo que a Mulher nasce mulher assim como
o homem nasce homem à partida e isso não depende de cultura nem de ideologias,
mas de biologia, ela me respondeu:
OS TRAVESTIS COMO SACERDOTISAS DAS DEUSAS
“Efectivamente, no actual estado da tecnologia não é
possível mudar integralmente de sexo. Não se consegue, ainda, mexer nos
cromossomas. Quem nasceu XX não poderá ser XY, pelo menos para já, e quem for
XY é porque assim nasceu.
A mulher não pode
pois ser homem e o homem não pode ser mulher. O sexo não se escolhe. O género
também não. Quem for travesti por natureza, não pode deixar de o ser, mesmo
que tente. Não é um capricho ou uma moda, é uma forma de ser. Parece fácil
ficar quieto e não vestir de mulher. É só não vestir. Nada parece mais simples
do que deixar-se estar no sofá sem nada fazer, por exemplo, ou a ler, ou a ver
televisão. Todavia, o corpo levanta-se e vai. É um fetiche? Bem, 'fetiche' é
palavra francesa com origem cabo-verdiana que por sua vez vem do português
'feitiço'. Haverá algo mais poderoso que um feitiço? Feitiço também é
encantamento. Encantamento e encanto são palavras com a mesma origem. Sucede o
mesmo em Inglês, com a palavra «charm», que originalmente significa «feitiço».
Houve quem jogasse com o nome de Vénus como tendo parentesco com 'venenum',
'veneno', que é uma poção, um encantamento. O travestismo 'fetichista' é o
resultado de um 'veneno', um encantamento diante do sexo oposto, como se de uma
radiação se tratasse. Tal como uma central nuclear emite radiação que pode ser
mortal para os organismos que dela estejam mais próximos, também o homem
travesti 'recebe' uma espécie de 'radiação' de uma mulher, ou determinado tipo
de mulher, ou determinada(s) mulher(es), que o fazem sentir automaticamente
como uma 'colónia', salvo seja, dessa mulher. Tal como o Império Romano
colonizou terras bárbaras, romanizando-as - estas terras nunca ficaram
civilizadas como Roma, mas também não voltaram a ser bárbaras como antes. Não
se transformaram em Roma, mas ficaram romanizadas.
Não é, por outro lado, um produto dos novos tempos mas sim
um retorno do que já existia em tempos arcaicos e agora retorna ao mundo
ocidental, à medida que a repressão cristã se esboroa. Há dois mil anos um dos
cultos mais disseminados em toda a área mediterrânica - portanto, em todo o
Império Romano - era o de Cíbele, Magna Mater, originário da Frígia, na actual
Turquia. Os sacerdotes de Cíbele entravam em êxtase, auto-castravam-se e viviam
doravante vestidos de mulher, como já tive oportunidade de referir nesta
página. A autoridade romana veio a proibir a auto-castração, mas o travestismo
ritual continuou a existir. Não foi caso único. No Médio Oriente o culto de
Atargátis também tinha sacerdotes travestis. No dicionário enciclopédico Koogan
Larousse, o que está escrito a respeito dos sacerdotes é fenomenalmente actual:
'...castravam-se no afã de se identificarem com a deusa'. Isto é de um culto
anterior ao Cristianismo, não é uma invenção de bichas do Príncipe Real. Isto
existe também na Índia, com os hijras que prestam culto a Bahuchara Mata, deusa
que castigou homens fazendo-os vestirem-se de mulher. Que o travestismo seja aí
visto como um castigo pode derivar da mentalidade patriarcal dominante; aliás,
o travestismo começa sempre por ser sentido como uma forma de castigo mas
depois evolui.
SOBRE O SAGRADO
Concordo inteiramente com a intenção de transpor tudo isto
para a dimensão do sagrado. Creio que no mundo antigo tudo tinha uma dimensão
sagrada, inclusivamente o travestismo. Daí a presença em cultos religiosos de
sacerdotes efeminados, maricas, mas maricas no verdadeiro sentido do termo, o
original, não o actual: o significado primeiro da palavra não é 'homossexual'
mas sim, como dizem os dicionários mais vetustos, 'homem que se ocupa de
funções de Maria (por mulher)'. Deusas como as que citei acima e outras:
Cíbele, Atargatis, Tanit e, provavelmente, Argimpasa, Bendis, Artemis, Vénus,
Hekate, Hera, foram servidas por sacerdotes transgénero. Não posso falar em
nome de todos os transgéneros, ou sequer em nome de todos os travestis, mas
também não posso deixar de pegar na palavra que muito bem empregou, o
magnetismo. O magnetismo puxa e é isto que muitos travestis sentem - os
travestis fetichistas, pelo menos. Estes sentem uma espécie de magnetismo da
Mulher, a Mulher como abismo descomunal, a grande cavidade profunda que puxa
para si, como um redemoinho nas águas, como as sereias do folclore, que,
segundo a versão conhecida, atraem com os seus cânticos os marinheiros (homens)
para a 'perdição', sendo esta 'perdição' entendida como a simples morte no
fundo do mar, mas que eu pessoalmente gosto de pensar que pode ser a perdição
da masculinidade, por assim dizer, como se a Sereia obrigasse ou convencesse o
homem a ficar 'como ela', vivendo doravante como ela, num gineceu. Não é talvez
por acaso que uma das deusas que referi, Atargatis, aparece por vezes concebida
com rabo de peixe... Atargatis, deusa em cuja honra os homens se auto-castravam
(até que essa prática foi proibida por um rei), também conhecida como 'Dea
Syria', referida na obra 'O Burro de Ouro', de Apuleio, na qual se descreve um
grupo de sacerdotes mendicantes que vagueia pedindo dinheiro, lendo sinas e
impressionando as populações com o seu extremo grau de mariquice.
Quando o travestismo surge na mente de um homem, a
auto-repulsa e a culpa são frequentes. De início nenhum travesti o quer ser,
pelo menos na sociedade patriarcal que conhecemos. Tenta, tenta, tenta evitar
tal pensamento, mas acaba por não conseguir fugir desse caminho. Imagina que
uma determinada mulher, ou grupo de mulheres, o convence de que não é homem a
sério e que portanto só lhe resta deixar-se feminizar. Compreendo que isto
possa parecer estranhíssimo, sobretudo quando se tem em mente que a sociedade é
patriarcal, mas cada pessoa tem o seu pequeno mundo e quando o mundo pequeno de
um rapaz é dominado por mulheres - mãe, irmã mais velha, primas, colegas, tias,
professoras, sabe-se lá, é conforme os casos - pode acontecer que ele enquanto
criança sinta um certo apelo feminizante. Pode acontecer, não significa que
aconteça forçosamente. Sei apenas que enquanto os rapazes com irmãOs mais
velhos tendem a desenvolver homossexualidade, os rapazes com irmÃs mais velhas
tendem a desenvolver travestismo. É uma habituação às circunstâncias, uma
espécie de síndroma de Estocolmo aplicada ao género - eu chamo-lhe 'síndroma da
Lídia' - ou se calhar é uma brecha para alguma verdadeira Cíbele, Hécate ou
Vénus lá do Alto actuar neste mundo, quem sabe. Seja como for, isto angustia
gravemente a criança do sexo masculino mas acaba por constituir, contra a sua
vontade, a sua maior fonte de prazer erótico. É biológico?, é psicológico?, é
cultural?... seja o que for, é mais forte que tudo. É uma obscenidade, uma
'vergonha', uma queda vertiginosa numa moleza 'criminosa' que prende com
tentáculos, como uma aterradora e excessivamente macia lula das profundezas
aquosas - é um feitiço. Que um marmanjo de grossa pele sinta que algo o compele
a ficar tão 'amaciado', por assim dizer, como uma diva da música, da moda ou da
esquina, eis o que se afigura como uma singular e não raras vezes ridícula
monstruosidade, especialmente porque numa sociedade patriarcal, nada é
considerado mais vil do que o homem que 'opta' (não opta, na verdade, não é
coisa que se escolha) por encarnar o princípio do sexo oposto (ou o modo como o
entende). Só quando se abandonam os valores rigidamente patriarcais se consegue
valorizar o travestismo, à luz de uma outra escala de valores, sobretudo quando
se toma conhecimento de que também a mariquice tinha em tempos a sua dimensão
divina."
Laura Serra
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