POR QUE É QUE AS MULHERES PRECISAM DA DEUSA
Carol P. Christ
Carol P. Christ, teóloga feminista, ou teaóloga, autora do famoso ensaio de 1979 "Por que é que as mulheres precisam da Deusa", que segundo consta terá sido o texto que mais mulheres levou a abraçar o Movimento da Deusa (e que se pode ler aqui em português:
http://mulheresprecisamdadeusa.blogspot.com/?m=1)
deixou esta dimensão hoje. Carol P.Excerto de texto traduzido para português por Luiza Frazão
Publicado em 17th October 2013
(...)
Adrienne Rich assinalou que o vínculo mãe-filha, talvez o
mais importante dos vínculos das mulheres
"ressonante de encargos ... o fluxo de energia entre dois corpos
biologicamente iguais, um das quais tendo permanecido em êxtase amniótico
dentro do outro, um das quais tendo sofrido para dar à luz o outro"23,
raramente é celebrado na religião e na cultura patriarcal. O Cristianismo
celebra a relação do pai com o filho e a relação da mãe com o filho, mas a
história da mãe e da filha está em falta. Assim, também, na literatura
patriarcal e na psicologia raramente existem as mães e as filhas. Volumes foram
escritos sobre o complexo de Édipo, mas pouco tem sido escrito sobre a relação
da menina com a mãe. Além disso, como Simone de Beauvoir observou, a relação
mãe-filha está distorcida no patriarcado, porque a mãe deve dar a sua filha aos
homens numa cultura definida pelos valores masculinos em que as mulheres são
consideradas inferiores. A mãe deve educar a filha no sentido da sua
subordinação ao homem, e se esta desafia as normas, a mãe muito provavelmente
vai colocar-se ao lado das estruturas patriarcais contra a sua própria filha24.
Esses padrões estão a
começar a mudar na nova cultura criada pelas mulheres em que os laços entre as
mulheres começam a ser valorizados. Holly Near tem escrito várias canções que
celebram estes laços entre mulheres e a herança que transmitem umas às outras.
Numa das suas melhores canções ela fala duma "mulher do tempo antigo"
que está "à espera de morrer." A jovem sente pena pela vida que
passou para a velha e começa a chorar, mas a velha olhando-a nos olhos diz-lhe:
"Se eu não tivesse sofrido, tu não estarias agora a usar esse par de jeans
/Ser uma velha do tempo antigo não é tão mau quanto parece"25. Esta
canção, que segundo a autora, foi inspirada pela sua avó, exprime e celebra um
vínculo e uma herança transmitida de uma mulher para outra. Noutra das suas
canções, Near canta sobre uma mãe que com as suas botas de caminhada percorre
pela primeira vez o mundo com a sua menina”. Nesta canção, a mãe diz ao
andarilho que tem viajado com elas para ajudar com as malas para viajar
sozinho, se ele acha que "viajar a três é mais arrastado", porque
"eu tenho uma pequenina que me ama tanto quanto tu precisas de mim / e,
querido, acredita que isto é amor que chegue"26. Esta canção é importante
porque a mãe coloca o seu relacionamento com a filha acima do relacionamento
com um homem, algo que as mulheres raramente fazem no patriarcado27.
Praticamente a única
história de mãe e filha, que foi transmitida na cultura ocidental é o mito de
Deméter e Perséfone, que foi a base dos ritos religiosos celebrados apenas por
mulheres, a Tesmofória, e mais tarde formou a base dos mistérios de Elêusis,
que eram abertos a todas as pessoas que falavam grego. Nesta história, a filha,
Perséfone, é raptada e levada para longe da mãe, Deméter, pelo Deus do
submundo. Recusando-se a aceitar este estado de coisas, Deméter enfurece-se e
não permite a fertilidade da terra até a filha lhe ser devolvida.
O que é importante para as mulheres nesta história é que uma
mãe luta pela filha e pela sua relação com ela, o que é completamente diferente
da relação da mãe com a filha no patriarcado. A "pré-disposição"
criada pela história de Deméter e Perséfone é a da celebração do vínculo
mãe-filha, e a "motivação" vai no sentido de mães e filhas afirmarem
a herança passada de mãe para a filha, rejeitando o padrão patriarcal, onde a
primeira lealdade primárias da mãe e da filha deve ser para com o homem28.
O símbolo da Deusa tem muito a oferecer às mulheres que
lutam para se livrar das "poderosas, invasivas, e duradouras
“pré-disposições” e “motivações", que vão no sentido da desvalorização do
poder feminino, da desconfiança em relação à mulher, da difamação do seu corpo,
bem como da negação dos vínculos e da herança que passa de umas para as outras,
tudo isso engendrado pela religião patriarcal. Como as mulheres se esforçam por
criar uma nova cultura em que o seu poder, corpo, vontade e vínculos são
honrados e celebrados, é natural que a Deusa ressurja agora como símbolo da beleza
recém-descoberta, da força e do poder das mulheres.
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