O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

quinta-feira, outubro 05, 2023

COMO O SISTEMA PATRIARCAL ANULOU E SUBMETEU A MULHER

 


E OS EFEITOS PATOLOGICOS DA REPRESSSÃO DAS NOSSAS EMOÇÕES


"Quanto as emoções, na medida em que são produzidas originalmente para acompanhar as pulsões dos sistemas orgânicos e para facilitar e contribuir para o comportamento mais conveniente dos corpos; ou seja, na medida em que as emoções formam parte da autorregulação da vida humana, resultam inconvenientes para o sistema social repressivo, e por isso a sua produção, ao começar pela própria emoção erótica e terminando pela cólera e a raiva mais profundas, devem ser controladas e recodificadas (pelo sistema de dominação patriarcal.)

Dessa forma, eufemismo aparte, a educação emocional(dentro do sistema) é uma serie de estratégias psicológicas para consolidar os egos, blindar o sistema de inibição inconsciente que formos adquirindo, para manter desenraizadas as emoções e os sentimentos das suas correspondentes pulsões viscerais, e assim impedir o restabelecimento da autorregulação psicossomática, e fazer com que o ser humano se adapte a obediência, quanto mais inconsciente melhor, da dominação, e à aceitação da submissão à ordem repressiva.

Trata-se de alcançar o equilíbrio psíquico (um ego) (couraça) em que se apaga a ânsia da capacidade orgástica do corpo, de maneira que as emoções percebidas na consciência fiquem desconectadas, tanto das pulsões corporais como das relações sociais que as originam, evitando que brotem à luz do dia as verdadeiras causas do mal estar psíquico, e por tanto impedindo a rebeldia. Porque a consciência pode ser enganada ao dizer que o bom é mau e vice versa; porém o mundo visceral é tudo poderoso, e é cego e surdo frente às mentiras, e não podem enganar nem arrebatar a sua sabedoria filogenética, e sempre sabe o que é bom e o que é mau para o corpo humano. Por isso o funcionamento da dominação requer a dobre desconexão interna do corpo humano.

A psicologia, desde a perspetiva de ser uma metodologia de adaptação ao funcionamento da dominação, deve fortalecer as couraças psíquicas e somáticas que foram construidas na primeira infância e que fecharam certos sistemas de autorregulação e de in-formação (natural do corpo); porque essas couraças com frequência são defeituosas ou insuficientes para neutralizar as pulsões vitais que tendem ao restabelecimento dessa autorregulação natural  e à reconexão entre os sistemas, e à consciência delas mesmas como tal.

É evidente que não há emoções negativas ou ruins, pois todas fazem parte de nossa autorregulação psicossomática; as emoções são sabias e benéficas e esclarecem o que verdadeiramente acontece connosco; no entanto são consideradas improcedentes na  nossa sociedade porque elas incitam à rebeldia frente a ordem estabelecida. Como Alice Miller diz, o corpo rebela-se contra a repressão, e além disso, ele nunca mente (1).

Na realidade, se soubéssemos da capacidade de autorregulação psicossomática que o nosso corpo tem, se conhecêssemos a função da sexualidade e do prazer em tal autorregulação, se fossemos conscientes da repressão social e corporal, do dano ocasionado por essa repressão, e do massacre que supõe o como nascemos e nos socializamos, se pudéssemos ter consciência de nossas pulsões e de nossa capacidade orgástica, as nossas biografias pessoais deixariam de serem um mistério, os nossos corpos seriam um livro aberto e podíamos compreender o que acontece connosco. E quando percebêssemos o que acontece, a situação daria uma volta  de 180º.

Sentir-íamos a transparência interior, o vínculo das emoções e dos sentimentos com as pulsões viscerais, uma coerência interna, e, portanto, uma atitude frente ao exterior que desfazeria os sentimentos de culpa, libertaria a energia anímica, as vontades de fazer, a paixão pelas coisas que nos movem e comovem; e essa paixão nos serviria de guia para adotar a melhor conduta, a melhor adaptação possível ante as relações sociais.

No entanto, a incompreensão e a confusão sobre o que nos sucede, e o facto de acreditarmos que somos responsáveis ou culpados pelos efeitos patológicos da repressão, é uma fonte permanente de desassossego e angústia; de facto é uma parte muito importante do mal-estar psíquico individual que desaparece quando recuperamos a perceção da nossa integridade psicossomática. O negativo não são as emoções: o negativo é não percebermos ao que elas correspondem, e o acreditar que correspondem a algum tipo de pecado o de culpa própria, ou como se costuma dizer agora, ao facto de não se ter feito os deveres de casa; culpados como na história de Édipo em que ele mesmo declara-se culpado de uma tragédia que foi provocada pelo facto da sua mãe e do seu pai o abandonarem e o condenarem a morrer ao nascer."

 Pag 157-158-159 - A REBELIÃO DE EDIPO de Cacilda Rodrigañes Bustus



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