O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

terça-feira, dezembro 06, 2005

O corpo fragmentado da mulher


Sinto o meu corpo fragmentado. Aquela perna não faz parte deste ventre. A perna é minha, o ventre não.

O meu corpo feminino, exposto nu na praça pública, tantas vezes foi violado, tantas vezes foi condenado, tantas vezes castigado,
Julgado, denunciado, acusado, lapidado, queimado, esfaqueado.

As várias partes do meu corpo são peças, que não fazem parte do mesmo puzzle, não fazem parte do mesmo filme.

Os meus lábios desejam expressar-se, o meu peito deseja sentir a
Alegria de viver, a minha barriga deseja rir.

Ponho a mão na perna, na barriga, no púbis (no pêlo púbico,
pudico, publico...como é que se diz?)

Acaricio o peito, o ombro, o pescoço. Sim sou eu. Sou tudo eu.
Quem sou eu? Qual é o meu corpo feminino, Belo e forte, rijo
E suave?

O meu corpo re-integra-se. Aquela perna já faz parte deste ventre.
Os fragmentos re-aproximam-se, re-encontram-se, re-unem-se,
Como por magia. Estou íntegra, una, inocente!
Agora sim, sinto uma aragem à flor da pele
.


ANABELA CUDELL
In Agenda Lunar 2005




A fragmentação da mulher é uma realidade vivida à flor da pele como tão bem ilustra este poema...Porém nem sempre ou raramente a mulher é consciente dessa fragmentação, e portanto não percebe que o seu mal, divisão interna, insegurança, neuroses e a maior parte das suas doenças são em geral consequência dessa cisão da sua natureza profunda.
A mulher é acusada de histeria quando não consegue controlar a sua insatisfação ou incompreensão do seu ser e se sente em conflito íntimo com o que o seu coração lhe dita e as convenções que a razão masculina lhe impõe, desde cedo em casa e na escola e mais tarde na Universidade. Quando não aprende a ser submissa às leis do patriarcado que a anula na sua expressão profunda, indómita e selvagem, ela é votada ao ostracismo social ou aceita silenciar o seu íntimo regendo-se pelas regras e princípios dos homens actuando como a sociedade regida por eles lhe impõe.
Todas as mulheres de uma maneira ou de outra, ao longo da sua vida, sentiram essa fragmentação do seu corpo e o pior ainda a fragmentação da sua alma pois ao não poderem expressar a parte mais íntima e secreta do seu ser - que faria a fusão das partes divididas - e que é a sua consciência inata, a Voz do Útero, o seu centro de força e de integração, perde o direito ao seu ventre tomado como coisa do estado e propriedade da sociedade patriarcal. A mulher viu-se assim aprisionada e impedida de ter voz própria e interior, perdendo o acesso à Voz que é ressonância e Verbo, voz que vibra em consonância com a Lua que a rege assim como os mistérios da vida e da morte cujos rituais antigos ela dava corpo e alma. A mulher mediadora das forças cósmico-telúricas foi expropriada da sua identidade profunda ao longo dos séculos de domínio patriarcal e explorada como “mãe” e “amante” separada em duas funções opostas ou mesmo antagónicas, perdendo assim o sentido da unidade do ser, acabando por aceitar ser dividida em duas, como digo tantas vezes, entre a santa e a puta, impedida da expressão livre e sagrada da sua sexualidade e erotismo, condenada pela Igreja e pelos padres, à castidade e clausura.

A Igreja dos patriarcas do Deserto, que destruíram os Cultos antigos como rituais de consagração das forças da Natureza que mantinham em equilíbrio a Terra no respeito da mulher e na adoração da Deusa Mãe, desfere um golpe fatal na mulher nessa cisão que lhe impõe através da imagem pecadora de Maria Madalena primeiro e mais tarde do seu dogma da “imaculada concepção”. Logo que começou a dominar o mundo excluiu a mulher dos ritos da missa usurpados por padres, e condenando a mulher ao silêncio e à culpa. Mãe submissa ou prostituta, são os dois modelos impostos pela Igreja dos patriarcas à mulher em todo o mundo. Dessa forma ainda hoje a mulher moderna que se julga liberta é na verdade uma mulher fragmentada ou uma mulher “masculinizada” e não uma mulher integral que se assume de corpo e alma, e cuja sensibilidade particular a faz dotada de um poder único de Visão, cura e profecia. Por isso os homens ainda hoje temem as mulheres e continuam a desacreditá-las quando manifestamente estas se expressam de forma menos racional ou mística. A ideia da bruxa, da vidente ou mesmo da astróloga é sempre ridicularizada face ao conhecimento intelectual racional académico. Até as mulheres que eles controlam e se julgam emancipadas reagem aos aspectos místicos e transcendentais da sua natureza profunda e se desacreditam umas às outras.

Neste quadro nem mulheres nem homens consideram real o aspecto ontológico da natureza feminina, expressão do Princípio Feminino, relegando para o plano do mítico, do absurdo ou da fantasia ou mesmo do ridículo, assim como os meus textos ou os meus livros... Poucas ou raras mulheres têm em conta as informações que transcrevo ou querem aprofundar o que aqui escrevo. Por isso, eu digo que a maior parte das mulheres são hoje em dia, nomeadamente na Blogosfera, o maior obstáculo à Consciência emergente do Feminino! Elas servem exclusivamente o Princípio masculino veiculando uma escrita e uma imagem de si mesmas de acordo com padrões de preferência machista em detrimento delas próprias e da integração dos dois princípios.
Sem a União dos dois Princípios, Feminino e Masculino, a Terra e o Planeta não podem viver a sua dimensão sagrada nem atingir o Divino a fim de alcançarmos uma Consciência verdadeiramente integrada e universal!
Cabe à mulher antes do mais acordar para a sua dimensão sagrada e unir as duas mulheres em si cindidas pela Igreja de Roma. Cabe à mulher acordar a Deusa dentro de si e revelá-la ao mundo. Essa poderá ser porventura a experiência mais profunda e gratificante que jamais terá na vida outra igual ou superior. A união da Mulher consigo mesma e com a Terra-Mãe poderá salvar o Planeta da destruição iminente em que ele pela mão violenta e agressora do Homem se encontra!
Cabe ao homem igualmente acordar para o seu lado Feminino e ajudar a mulher a caminhar para uma nova Ordem Planetária de verdadeira paridade entre os sexos e do amor sem posse ou exclusividade.

Sem comentários: