O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

quinta-feira, novembro 06, 2008

na minha alma negra de mulher negra


Oba! ama!

por Lucia Helena Corrêa


De repente, é feriado internacional na minha alma negra de mulher negra. De repente, dos meus olhos, negros olhos, lágrimas, transparentes lágrimas. E têm um surpreendente gosto de chocolate com pimenta. Há muito tempo, meu coração não pulsava tão forte assim. Um negro na Casa Branca! E isso é muito mais do que um trocadilho, ilustríssimos caras-pálidas! Aquele não é mesmo um país qualquer. Neste cinco de novembro do ano da graça de 2008, Barack Obama acordou presidente de um país que não é, mesmo, um país qualquer! Foi lá, em cinco de dezembro de 1955, na racista cidade de Montgomery, que a costureira e militante Rosa Parks foi presa e espancada porque se recusou a ceder o lugar no ônibus a um homem branco, conforme determinava a lei Jim Crow, de sececção racial, que garantia todos os direitos, regalias e prioridades a brancos. Aos negros, o chão para andar. Ou o escuro das solitárias nos complexos prisionais...

Hoje, é feriado internacional na minha alma negra de mulher negra. Trago o rosto inchado de chorar. Mas, pela primeira vez, em muitos anos, não é mais de revolta, humilhação, medo e vergonha (porque, pasmem!, o racismo dos outros é a mim que envergonha...).

Meus senhores, eu choro não é porque um homem negro, que, há 43 anos, no Alabama, seria surrado apenas por pisar na mesma calçada por onde passasse um branco hoje mora, come, dorme, ama e faz cocô na Casa Branca E ainda levou com ele uma penca de negrinhos – a belíssima família Barack Obama!

Humano Barack Obama! Alah salve Obama!

Hoje é feriado internacional na minha alma negra de mulher negra. E choro porque, hoje, quando amanheceu, eu era ainda mais negra do que sempre fui e tinha lavada a minha alma, a minha alma negra de mulher negra. Mas choro, principalmente, porque, um negro na Casa Branca restaura em mim a certeza de que, um dia (Olorum me permita ainda ver isso), nós todos não seremos nem negros nem brancos. Nem homens, nem mulheres. Nem hetero, nem homo, nem bissexuais. Nem ricos, nem pobres. Nem cristãos, nem muçulmanos. Um dia, seremos apenas gente... E nos amaremos, tocando nossas peles com muita ou pouca melanina, olhando-nos nos olhos e mirando, através deles, nossas almas, humanas almas...

Por isso, deixo a todos que lêm estas minhas reflexões, mas, em especial ao meu irmão Barack Obama, o poema aí embaixo e a oração a Olorum, para que lhe conserve a vida e o senso de justiça.

Motumbá, Barack Obama! Motumbá!


NEGRITUDE...

Da próxima vez que te chamarem negro sujo,

responde que, no começo, na tez,

éramos todos negros, iguais...

Depois, alguns degeneraram

e ficaram assim: brancos (ou negros) demais!


Lucia Helena Corrêa
jornalista-cantora
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