O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

segunda-feira, janeiro 29, 2018

COMO O HOMEM VÊ A MULHER


E O MEDO DA MULHER SER...ou o desejo inveja do pénis, diz Freud...

Como é que se explica que meu maior medo seja exatamente em relação: a ser? E no entanto, não há outro caminho. Como se explica, explica que o meu maior medo seja exatamente o de ir vivendo o que for sendo?  - Clarice LISPECTOR, 2009


"Em 1925, no artigo Algumas consequências psíquicas da diferença anatômica entre os sexos, Freud observa que, diferentemente do menino, a menina vivencia o complexo de Édipo já castrada, enquanto o menino enfrenta uma angústia de castração ao entrar no Édipo. Ao contrário do menino, a menina tem que enfrentar muitas mudanças em sua vida psíquica. O abandono do clitóris como órgão de satisfação sexual e a mudança do objeto de amor são importantes no desenvolvimento da menina. Freud (1925/2011) aponta que, a partir do reconhecimento de que não possui o pênis (representante fálico) e não pode recebê-lo de sua mãe, porque ela também não o possui, surge na menina o sentimento de inveja do pênis, penisneid. Assim, ao mesmo tempo em que a garota passa a ter inveja do pênis, ela desloca para o pai todo o afeto que tinha pela mãe. Freud (1925/2011) esclarece que, em virtude dessa inveja, a menina tem desejos de ter um filho de seu pai, para assim obter o falo que não lhe foi dado pela mãe. Esse desejo incestuoso de ter um filho de seu pai seria o caminho para a feminilidade trabalhado por Freud em 1933 na conferência A Feminilidade. Ele propõe a maternidade como um modo de a mulher se inscrever no lado fálico e se realizar como mulher. Entretanto, mesmo quando colocou a maternidade como uma saída para o que é ser uma mulher, Freud (1933/2010) ainda se mostrou insatisfeito com relação a essa pesquisa, quando admite:

Isso é tudo que eu tinha a lhes dizer sobre a feminilidade. Certamente é incompleto e fragmentário, e nem sempre parece amigável. Mas não esqueçam que retratamos a mulher apenas na medida em que seu ser é determinado pela sua função sexual. Tal influência vai muito longe, é verdade, mas não perdemos de vista que uma mulher há de ser também um indivíduo humano em outros aspectos. Se quiserem saber mais sobre a feminilidade, interroguem suas próprias vivências, ou dirijam-se aos escritores, ou esperem até que a ciência possa lhe dar informação mais profunda e coerente." * *FREUD, 1933/2010, p. 293

O RIDICULO DO PENSAMENTO FALOCRÁTICO E MISOGINO DOS PSICANALISTAS...

Diz a autora do texto, "Dessa maneira, vemos que Freud (1933/2010) esclarece as dificuldades que encontrou nos estudos sobre o feminino e já nos aponta algumas direções que poderiam contribuir para os estudos sobre a feminilidade, sendo a literatura uma delas. A psicanálise lacaniana, por sua vez, é uma vertente que desenvolveu importantes contribuições a respeito do feminino e é nela que irei me deter ao longo desse artigo. Partindo dos ensinamentos de Lacan, podemos chegar próximos da dimensão do “nada” que habita e faz jus à condição de existência da mulher, tal como ilustra Clarice Lispector com sua personagem G.H. Na década de 1950, Lacan relê o discurso freudiano a partir da relação do sujeito com o Outro na linguagem, na dialética da demanda de amor e da experiência do desejo. Em um de seus trabalhos, A significação do falo, Lacan (1958) aborda o falo na relação da criança com o outro, na qual a criança acredita ser o falo para a mãe. Ele postula que para que a criança possa surgir como um sujeito é necessário que haja um deslocamento de ser para ter o falo. Esse movimento, conta Lacan (1958), é mediado pela metáfora paterna que coloca dúvidas em relação ao Desejo da mãe para criança. Lacan nos adverte então que é necessária a intervenção da metáfora paterna para ressignificar, para a criança, o Desejo da mãe em relação à divisão mãe/mulher, impossível de ser decifrada quando se trata da feminina. Vemos com Lacan a importância da metáfora paterna como aquilo que orienta o sujeito na sua relação com o desejo e com o gozo na dialética do falo. Serge André (1986), ao reler essa preposição de Lacan, sustenta que haveria para a menina algo na relação com o Outro que caduca pela intervenção paterna e que o Pai não se posiciona verdadeiramente como metáfora para a menina. Lacan formaliza essa ideia em O seminário, livro20: Mais ainda a partir do matema da sexuação, no qual define a posição feminina e a posição masculina. Assim, ele apregoa que, do lado do homem, há um homem ao qual a função fálica não se submete, sendo este aquele que não é castrado e que vem, portanto, na função do pai. Já em relação à mulher, o que fica conferido é que não existe sujeito para o qual a função fálica não funcione. Assim, não há um representante do lado feminino do que é fálico, pois nenhuma mulher escapa à castração. É a partir disso que Lacan irá elucidar a saída ao impasse do Édipo feminino com a seguinte frase: “A mulher não existe”. Dizer que “A mulher não existe” é concluir que as mulheres formam senão um conjunto aberto, e por isso devem ser tratadas no "uma a uma", cada qual com seu jeito de se apresentar, ora do lado fálico, ora do lado não todo fálico, com suas particularidades de gozo para canalizar algo do real colocado ao sujeito feminino. A inscrição da mulher em um lugar “não todo” nos aproxima da dimensão do “nada” que G.H. ilustra. Miller (2010) afirma o quão intima é a relação entre mulheres e o nada, e que onde existe um lugar essencialmente vazio, é possível aparecerem máscaras do nada, máscaras que clareiam a relação entre mulheres e semblantes. Voltemos então a G.H., uma mulher que descreve como o nada, um abismo que nela habita e um lugar onde ela existe como uma mulher. Em uma das passagens do livro, podemos localizar a articulação entre as faces de G.H. e o nada, quando ela diz:
"Ajo como o que se chama de pessoa realizada. Ter feito escultura durante um tempo indeterminado e intermitente também me dava um passado e um presente que fazia com que os outros me situassem: a mim se referem como a alguém que faz esculturas que não seriam más se tivesse havido menos amadorismo. Para uma mulher essa reputação é socialmente muito, e situou-me, tanto para os outros como para mim mesma, numa zona que socialmente fica entre mulher e homem. O que me deixava muito mais livre para ser mulher, já que eu não me ocupava formalmente em sê-lo.*"

* Clarice LISPECTOR, 2009, p. 25).

in Pretextos - Revista da Graduação em Psicologia da PUC Minas

Mariana Magalhães Miranda

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