Virginia Woolf, Orlando
«"Graças a Deus que sou mulher!", gritou, estando prestes a cometer a loucura extrema - nada mais aflitivo tanto nos homens como nas mulheres - de se envaidecer do seu próprio sexo, quando a simples palavra que, e apesar de todos os nossos esforços para a esquecermos se insinuou no final da frase, a fez parar. Amor. "O amor." Nesse mesmo instante - tal é a sua impetuosidade - o amor tomou forma humana - tal é o seu orgulho. É que, enquanto os outros pensamentos se contentam em permanecer abstractos, nada mais satisfaz este do que assumir forma humana, de mantilha e saia, de calções e gibão. E, dado que todos os amores de Orlando haviam sido mulheres, agora, devido à lentidão dos seres humanos para se adaptarem às convenções, e muito embora fosse mulher, o objecto do seu amor continuava a ser uma mulher. E, se a consciência de pertencer ao mesmo sexo tinha algum efeito no caso, apenas apressava e aprofundava os sentimentos que a caracterizavam enquanto homem. Pois agora entendia toda uma série de alusões e mistérios que antes lhe escapavam. Agora, a obscuridade que divide os sexos e mantém as impurezas na sombra deixara de existir, e, se o poeta tem razão no que diz a respeito da beleza e da verdade, este amor ganhou em beleza aquilo que perdera em falsidade. Agora, gritou, conhecia Sasha tal como ela era, e, no ardor da descoberta e da ânsia de alcançar todos os tesouros que lhe eram revelados, sentiu-se tão arrebatada e encantada, que se sentiu como se lhe tivesse soado um tiro de canhão [...].»
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