"Eva é a mulher muda, a sombra da mulher, quase um fantasma.
(...)
Eva está incompleta, falta-lhe alguma coisa: trata-se do aspecto Lilith que ela por vezes toma quando se revolta"
"Lilith foi recalcada para dar lugar a Eva. Eva representa portanto a mulher vista, educada, modelada pelo homem. Eva está incompleta, falta-lhe alguma coisa: trata-se do aspecto Lilith que ela por vezes toma quando se revolta; o aspecto que Eva tomou, quando comeu a maçã; o aspecto que tomará a Virgem Maria ao dar à luz um filho que se revoltará contra o pai e imporá uma nova lei, o Evangelho (a boa nova) do Filho (e da Mãe). Assim se processa a passagem do Judaísmo (Paternalismo) ao Cristianismo primitivo (Maternalista), que será imediatamente recuperado pelas autoridades Patriarcais e desviado dos seus verdadeiros objectivos.
Com efeito, Eva, a mulher, encontra-se alienada. Ela não possui por inteiro a sua personalidade. Ela não será mais que a forma castrada (de Jeová e de Adão) e não a imagem da parte feminina de Deus. Deste modo, a representação duma forma do desejo, duma metade da ex-potência divina absoluta é afastada, e torna-se tão silenciosa como a vagina duma rapariguinha. Eva é a mulher muda, a sombra da mulher, quase um fantasma. A mulher real é Lilith. E no mito celta, Blodeuwedd, nascida das flores – é este o sentido do seu nome –, não é senão uma sombra de mulher: é uma criação artificial do espírito macho de Gwyddyon, não passa dum reflexo castrado do homem.
Mas quando se revolta, ela abandona o seu aspecto Eva para assumir o de Lilith e deixa de estar alienada. Nascida das flores e ligada à terra no passado, torna-se agora ave nocturna, podendo assim aparecer a qualquer homem durante a noite, ou seja, enquanto o sono permite ao inconsciente que ela surja nos seus sonhos.
Na verdade, qualquer homem, insatisfeito no fundo de si próprio, e sem ousar admiti-lo, sonha com Lilith-Blodeuwedd, a única que poderia satisfazer o seu desejo de infinito, uma vez que a Eva que ele tem ao seu lado não é mais do que uma caricatura da feminilidade, embora tenha sido ele quem assim a quis."*
*La Femme Celte, Jean Markal
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