A VIDA CIVILIZADA EXIGE UM ESTADO DE ILUSÃO
“A sociedade é uma construção artificial, uma protecção contra o poder da natureza. Sem a sociedade sentir-nos-íamos a navegar no mar bárbaro e tempestuoso que a natureza é. A sociedade é um conjunto de circunstâncias herdadas que atenua a nossa humilhante passividade face à natureza. Podemos alterar essas circunstâncias, com mais lentidão ou maior rapidez, mas nenhuma alteração na sociedade poderá mudar a natureza. Os seres humanos não são a primeira escolha da natureza. Nós somos apenas uma das inúmeras espécies sobre a qual a natureza exerce indiscriminadamente o seu poder. A natureza tem uma matriz original de que só vagamente nos apercebemos.
A vida humana começou pela fuga e pelo medo. A religião emergiu de rituais de expiação, feitiços para aplacar os elementos punitivos.
(...)
O ser humano civilizado esconde de si próprio o grau a que está subordinado à natureza. Se a elevação da cultura preenche a sua alma, o conforto da religião conquista a sua fé. Mas basta um simples encolher de ombros por parte da natureza e tudo fica um caos. Fogos, inundações, relâmpagos, tornados, furacões, erupções vulcânicas, tremores de terra – por todo o lado e a toda a hora. As catástrofes atingem tanto os bons como os maus. Mas acontece que a vida civilizada exige um estado de ilusão. E a ideia da benevolência suprema da natureza e de Deus é o mecanismo mais poderoso para a sobrevivência do ser humano. Sem ele, a cultura regressaria ao medo e ao desespero.”
CAMILLE PAGLIA, in MULHERES LIVRES HOMENS LIVRES, Quetzal 2018
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