O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

sábado, janeiro 16, 2016

COBRIR OU NÃO COBRIR...

Feminismo de guerra

Ao cobrir o corpo, mulheres se sentem protegidas do assédio

De passagem pelos Emirados Árabes Unidos, conheci uma jovem da qual só pude ver os olhos, tendo o restante do corpo coberto pelo niqab. Eu a convidei para um café. Gostaria de ouvir sua versão sobre opressão feminina. Ela concordou, mas antes tinha uma pergunta a me fazer: “É verdade que as mulheres brasileiras e americanas fazem muitas plásticas?”. Sim, era verdade. O Brasil ocupa o segundo lugar no ranking de cirurgias plásticas, atrás apenas dos EUA. “Que horror! Isso é que é opressão feminina, você não acha?”. Eu não entendi. “Ter de mutilar seu corpo para ser aceita por um homem ou se exibir na praia? Eu jamais me submeteria a isso. Aqui não é preciso.”
Lembrei-me da passagem ao refletir sobre o feminismo, motivada pela campanha
#AgoraÉQueSãoElas, em que mulheres tomaram o lugar de jornalistas e escritores homens na mídia durante uma semana. Não é o caso desta coluna, mas se o objetivo mais amplo era nos fazer refletir sobre os espaços ainda hoje não ocupados pelas mulheres, aqui está minha modesta contribuição.
A supersexualização do corpo feminino e o papel da mulher como objeto de prazer, contra o que o movimento feminista emergiu, eram também os motivos que aquela jovem me dera para se cobrir, desafiando o lugar-comum ocidental — o que enxergamos como instrumento de opressão a ela parecia libertador. Mas a origem de um e de outro pensamento é a mesma.
 
Onde se cobrir era uma opção, perguntei repetidas vezes a mulheres por que o faziam: “Porque me sinto protegida”, é a resposta mais comum. Mas do que tentam se proteger? Do assédio dos homens. O sujeito opressor, portanto, não é o véu, mas o homem que se acha no direito de assediá-las (lá ou aqui) se exibirem o corpo. Aqui ou lá, no Islã ou no cristianismo, as mulheres são responsabilizadas por instigar o pecado do homem, o que confere a eles uma espécie de licença divina para o crime sexual, caso se sintam atraídos por elas. São sempre elas que os “provocam”. Porque o corpo descoberto se torna objeto de prazer dos homens.
Isso está na base do entendimento tanto dos religiosos conservadores que obrigam as mulheres a se cobrir, por determinação legal ou para evitar a cobiça masculina, ou dos que tentam dificultar o atendimento às vítimas de violência sexual com a aprovação do PL 5069, de autoria de Eduardo Cunha. É o que priva as mulheres do direito de liberdade – de usar o véu ou não (sem ser punida por isso), de ir e vir sem ser vítima de abuso sexual no metrô, de ser criança sem sofrer assédio na Internet.
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Na República Democrática do Congo, que lidera o ranking macabro dos estupros, uma mulher é vítima a cada minuto e meio. Mas quando organizações femininas do Norte Kivu, palco da guerra, pediram para participar das negociações de paz, lhes foi dito que havia só dois lados do conflito: governo e rebeldes.
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“Todos só falam dos crimes do Estado Islâmico, e são horríveis, porque eles sequestram mulheres e as fazem escravas. Mas esse crime não está ocorrendo apenas para satisfazer os desejos de soldados, o que já seria terrível, mas de forma institucionalizada. É uma concepção de guerra, usada pelo regime de Assad para desmoralizar os rebeldes, porque elas são consideradas propriedades deles. E, quando isso ocorre, elas são comumente abandonadas depois, porque recebê-las de volta seria uma desonra para os homens. Elas são duplamente vítimas.”

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As mulheres reivindicaram para si as conquistas de igualdade e liberdade da Revolução Francesa, uma das sementes do movimento feminista, e pergunto a Annick se ela se considera uma feminista e o que isso significa hoje. “É claro que sou feminista! Fico muito chocada quando as mulheres não querem se colocar assim. Feminismo é humanismo. Não é algo apenas para as mulheres. Homens modernos deveriam ser feministas! Porque significa que você quer algo que deveria ser natural: igualdade entre homens e mulheres. Isso não quer dizer queimar o sutiã. Mas estar consciente de que essa desigualdade é injusta. E fazer o melhor para lutar contra ela em sua família, em seu ambiente, em sua comunidade, em seu jornal. E eu o faço muito pacificamente”, revela Annick. “Esta é talvez a única guerra que nunca matou ninguém.”
Por isso, a coluna de hoje é dedicado a elas. Que ocupem os seus, os nossos espaços.
 
ADRIANA CARRANCA

Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/mundo/feminismo-de-guerra-17987724#ixzz3xRqyK3G8
 

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