O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

segunda-feira, janeiro 18, 2016

A MULHER MODERNA...


UMA LONGA APATIA de 1933 a 2016
(...)
"O recente despertar da mulher da sua longa apatia trouxe à tona poderes latentes que, muito naturalmente, ela está ansiosa por desenvolver e aplicar na vida, tanta para sua própria satisfação e vantagem, como para aumentar a sua contribuição à vida do grupo. Esse passo adiante no desenvolvimento consciente não acontece sem dificuldades e obstáculos. Ela afastou-se da velha e bem estabelecida maneira de conduta e adaptação psicológica da mulher, e se acha hoje atacada por problemas que nem ela mesma e nem as mulheres pioneiras que iniciaram o movimento pela emancipação da mulher previram. Essas mudanças tem produzido para a mulher um inevitável conflito interno entre a necessidade de se expressar através do trabalho , como um homem faz, e a necessidade interior de viver de acordo com a sua própria natureza feminina. Esse conflito parece condicionar toda a experiência de vida para todas aquelas mulheres modernas que estão totalmente cientes de si mesmas como indivíduos conscientes. Para elas uma vida unilateral não é suficiente; o conflito entre as tendências opostas do masculino e do feminino dentro delas tem de ser encarado. Não podem resumir os valores do feminino àqueles velhos padrões instintivos e inconscientes. Conseguindo um novo grau de consciência, saíram do fácil caminho da natureza. Se pretendem ter contacto com o seu lado feminino perdido, isso preciso ser feito pelo duro caminho de uma adaptação consciente.

Os problemas de adaptação, surgindo da recente dualidade na mulher, tem que ser necessariamente tratados sob o seu aspecto moderno. A necessidade de reconciliação dessas duas partes da natureza feminina é um problema secular (a cisão da mulher em duas -nota pessoal); e é somente na sua aplicação na vida prática que o aspecto moderno surge. Basta olhar para debaixo do verniz da vida contemporânea para se encontrar o mesmo problema num nível mais profundo. Não é um problema de adaptação da mulher ao mundo do trabalho e do amor, esforçando-se para dar o mesmo peso a ambos os lados da sua natureza, mas sim uma questão de adaptação aos princípios femininos e masculinos que interiormente governam a sua subjectividade. Ela tem de voltar-se para quele material subjectivo que foi rejeitado, que para os cientistas do sec. XX eram somente superstição ou uma questão de humores. " *


Este magnífico trecho foi escrito em 1933 - portanto há quase um século e é a análise de como a mulher moderna iniciou a sua caminhada face a uma afirmação social no trabalho e na vida pública da qual até ai era completamente arredada, salvo alguma excepção, mantendo-se como dona de casa, mãe de filhos e esposa recatada.

O texto de um livro fundamental e diria mesmo essencial para a compreensão consciente da mulher de hoje, como é obvio, aqui apenas refere  a entrada da mulher no mundo masculino e a sua adaptação ao mundo do homem e do trabalho, que a autora refere como uma tomada de consciência do seu lado masculino e coloca aí a dualidade da mulher que entretanto durante todos estes anos se afirmou realmente quase só do lado do masculino esquecendo a mulher instintiva e os valores do feminino ontológico e psicológico. O que a autora junguina não viu, tal como o próprio Jung, foi que mesmo antes da mulher assumir o seu lado masculino, enfrentado o mundo do trabalho, havia nela já antes uma mulher cindida em duas na sociedade secular patriarcal – ou seja a mulher dividida entre a mulher “santa”, casada virgem, e fiel ao marido, muito prendada e recatada e fora do mundo, e a mulher “puta”, a mulher sensual atrevida que vivia à margem da sociedade e que é explorada pela sua sexualidade como prostituta ou como amante dos senhores ricos – as cortesãs consideradas mulheres livres - mas que não se podiam comparar com as mulheres sérias que permaneciam em casa fechadas, etc.  De um lado temos hoje ainda a mulher "bem comportada" e honesta  e do outro a mulher fatal, a perversa e a cabra...

O livro refere essa mudança e o conflito da mulher dentro dessa dualidade que dai advém e é um facto que assim é, só que hoje em dia as mulheres já nem se apercebem dela de tal modo se adaptaram sem qualquer consciência de si como mulheres femininas e de um feminino intrínseco, que de facto passou a subjectivo e oculto, para que ela pudesse corresponder às necessidades do seu lado masculino e mantendo-se apenas nesse lado, tal como aconteceu com as feministas em geral. Uma consciência masculina, objectiva e pragmática, racional e lógica e muito pouca interioridade e menos ainda subjectividade. A subjectividade que foi tratada como histerismo e esquizofrenia…e que hoje em dia, do meu ponto de vista, derivou em cancros e miomas e outras doenças ditas de foro feminino…elas reflectem o choque e a violência da adaptação da mulher ao mundo do homem e do trabalho e o esquecimento  versus alienação da sua natureza profunda feminina. Ao adoptar os valores masculinos exclusivamente a mulher alienou-se da sua herança matrilinear e da sua própria identidade, lutando num campo adverso contra a sua própria natureza estando as mulheres modernas totalmente disfuncionais o que dá naquilo que hoje chamam a bipolaridade, incluindo mesmo a fibromialgia, quer as neuroses e psicoses de uma maneira geral.

A necessidade que a autora e psicóloga aponta para que a mulher viva a sua totalidade, ligando o objectivo com o subjectivo, compreendidos esses lados nos seus opostos masculino e feminino, a meu ver não é válida à partida, na medida que ela não tem em conta a cisão inicial da mulher (em duas mulheres), nem dessa divisão interna da sua natureza intrínseca, instintiva e sexual por um lado e o da mulher castrada, sem direito ao prazer, a casta esposa e mãe por outro, conforme a sociedade patriarcal determinou as regras e as leis do jogo.

E claro por essa razão não houve a tomada de consciência de que a autora fala do ponto de vista junguiano, e não resultou em nada porque à mulher moderna faltava já a consciência dessa feminilidade essencial, de amante e médium, de intérprete das forças cósmico e telúricas, de iniciadora do amor, diria, erguendo a mulher numa totalidade feminina apenas, numa mulher MULHER Integral  e só depois seria natural ligar-se ao seu lado masculino, dentro e fora dela. Assim, passado quase um século, temos esse problema invertido, pois o que mais falta à mulher moderna de hoje é mesmo o seu lado feminino profundo e não o seu masculino psicológico bem desenvolvido e arreigado nas mulheres comuns sobretudo as "emancipadas"!

É muito óbvio que as junguianas e as espiritualistas do sagrado feminino actual continuam a propagar o mesmo erro sem ver a importância dessa cisão interna da mulher – que precisa ser curada e integradas as partes - e como ela afecta a sua vida pessoal familiar e de grupo, trazendo para os círculos de mulheres os ódios e rivalidades que se projectam entre mulheres devido a essa divisão da própria mulher, em “santa e puta”, desde há séculos. A partir destes estereótipos esgotados, apareceram variantes que parecem esgotar a ideia, mas que no fundo e no inconsciente das mulheres, continuam a determinar comportamentos e suas acções extremadas e aberrantes no mundo ocidental sobretudo.  

Não, como diz a autora, não podemos, “ resumir os valores do feminino àqueles velhos padrões instintivos e inconscientes. Conseguindo um novo grau de consciência, saíram do fácil caminho da natureza. Se pretendem ter contacto com o seu lado feminino perdido, isso preciso ser feito pelo duro caminho de uma adaptação consciente.”

Sem dúvida que assim é mas a luz da inversão desses caminhos do feminino não só instintivo mas também objectivo, temos de ir mais longe e de reunir as duas mulheres em nós há muito divididas e então sim, encontraremos nosso Feminino Perdido  preso  nos labirintos da mente masculina e das leis do patriarcalismo que nunca serviu a mulher nem a beneficiou em nada!

RosaLeonorPedro
* texto retirado de OS MISTÉRIOS DA MULHER de M. Esther Harding

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