"Uma das questões mais cruciais e de maior potencial destrutivo enfrentado por mulheres consiste no facto de elas começarem vários processos de iniciação psicológica com iniciadores/as que não tenham eles/as próprios completado o processo. Elas não conhecem pessoas maduras que saibam como prosseguir. Quando os próprios iniciadores/as são pessoas cuja iniciação está incompleta, eles/as omitem aspectos importantes do processo sem perceber, e às vezes causam grandes males aos iniciados/as por trabalharem com uma ideia fragmentada da iniciação, uma ideia que frequentemente está contaminada de uma forma ou de outra.
Na outra extremidade do espectro está a mulher que passou pela experiência do roubo (da alma) e que está lutando por ter um maior conhecimento e domínio da situação, mas que se desnorteou e não sabe que existem outros aspectos a serem tidos em conta para completar a aprendizagem, voltando, ao primeiro estágio, o de se ter submetido ao "roubo" (ou engano) repetidas vezes. Não se sabe por meio de que circunstâncias, ela ficou emaranhada nas rédeas. Basicamente está-lhe faltando orientação. Em vez de descobrir as necessidades de uma alma saudável e selvagem, ela se torna vitima de uma iniciação incompleta.
Como canais de iniciação matrilineares - os das mulheres mais velhas que ensinam as mais jovens certos factos e procedimento psíquicos do feminino selvagem - foram fragmentados e interrompidos por tantas mulheres e durante tantos anos, que é uma bênção poder dispor da arqueologia dos contos de fada para ter essa aprendizagem. Podemos imaginar de novo tudo o que precisamos saber a partir desses modelos profundos, ou podemos comparar as nossas ideias a respeito dos processos psicológicos essenciais das mulheres com aquelas encontradas nas histórias. Nesse sentido, os contos de fadas e os mitos são os nossos iniciadores/as. Eles elas são os sábios/as que ensinam aos que vieram depois deles/as.
Portanto, é para as mulheres semi-iniciadas ou iniciadas de modo incompleto que a dinâmica apresentada em "A pele da foca, pele da alma" é mais ilustrativa. Quando se aprendem todos os passos que devem ser dado ser dados para completar a volta cíclica a casa, mesmo uma iniciação atamancada pode ser desbloqueada, refeita e concluída correctamente. (...)"*
NOTA À MARGEM
Salientar estes aspectos, os de uma possível iniciação de mulheres, feita de forma incompleta e sem um fundamento psíquico é de suma importância nos dias de hoje quando há tantas mulheres sem qualquer preparação a pretender entrar em processos iniciáticos assim como supostas iniciadores/as também sem a preparação adequada e por vezes mesmo faltando-lhe a seriedade que isso implica, seja a responsabilidade pelos processos desencadeados, seja a terem em atenção a natureza de cada mulher e o nível de consciência psicológica em que se encontra. Eles/as oferecem os seus préstimos e cada vez mais proliferam grupos de mulheres sem uma verdadeira consciência ontológica, nem um conhecimento de si mesmas abalizado. Um desses conhecimentos fundamentais é ter em conta a sisão das mulheres, ponto para mim de maior importância no meu trabalho, e sem o qual nos baralhamos ou enredamos na ideia dos arquétipos das deusas e caímos no erro das polaridades...eu sou esta ou eu sou aquela.
Para se iniciar em algum caminho alguém, é preciso ter-se feito um caminho fidedigno, ter a maturidade e passado pelo aprofundamento e reflexão da vida, senão corremos o risco de nos basearmos em conceitos e preconceitos milenares e misóginos, recorrendo a processos iniciáticos masculinos que anulam a mulher em si. Sendo esse tipo de iniciações as mais comuns não é raro as mulheres serem levadas a processos masculinos que as podem por sua vez levar a experiências e escolhas erróneas e depois a graves desequilíbrios de ordem emocional e psicológica como mulher e toda a confusão de anima e animus. Não ter em conta as duas mulheres cindidas e querer encontrar a "mulher selvagem" sem fazer a ligação entre as duas mulheres cindidas pelo patriarcado, dificilmente podermos chegar a uma integração do feminino profundo.
Pessoalmente, não tenho qualquer pretensão em iniciar ninguém, mas apenas consciencializar a mulher da importância de um conhecimento psicológico profundo e da busca da mulher essência - seja a mulher selvagem, seja a mulher ctónica que precisa de ser resgatada e unir-se à mulher de hoje que fez o caminho apenas no domínio do intelecto e precisa de voltar as suas raízes... e à inteligência do coração.
Rosa Leonor Pedro
* In Mulheres que correm com os lobos
Clarissa Pinkola Estés
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