O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

terça-feira, maio 17, 2016

AS INICIAÇÕES



"Uma das questões mais cruciais e de maior potencial destrutivo enfrentado por mulheres consiste no facto de elas começarem vários processos de iniciação psicológica com  iniciadores/as que não tenham eles/as próprios completado o processo. Elas não conhecem pessoas maduras que saibam como prosseguir. Quando os próprios iniciadores/as são pessoas cuja iniciação está incompleta, eles/as omitem aspectos importantes do processo sem perceber, e às vezes causam grandes males aos iniciados/as por trabalharem com uma ideia fragmentada da iniciação, uma ideia que frequentemente está contaminada de uma forma ou de outra.

Na outra extremidade do espectro está a mulher que passou pela experiência do roubo (da alma) e que está lutando por ter um maior conhecimento e domínio da situação, mas que se desnorteou e não sabe que existem outros aspectos a serem tidos em conta para completar a aprendizagem, voltando, ao primeiro estágio, o de se ter submetido ao "roubo" (ou engano) repetidas vezes. Não se sabe por meio de que circunstâncias, ela ficou emaranhada nas rédeas. Basicamente está-lhe faltando orientação. Em vez de descobrir as necessidades de uma alma saudável e selvagem, ela se torna vitima de uma iniciação incompleta.
Como canais de iniciação matrilineares - os das mulheres mais velhas que ensinam as mais jovens certos factos e procedimento psíquicos do feminino selvagem  - foram fragmentados e interrompidos por tantas mulheres e durante tantos anos, que é uma bênção poder dispor da arqueologia dos contos de fada para ter essa aprendizagem. Podemos imaginar de novo tudo o que precisamos saber a partir desses modelos profundos, ou podemos comparar as nossas ideias a respeito dos processos psicológicos essenciais das mulheres com aquelas encontradas nas histórias. Nesse sentido, os contos de fadas e os mitos  são os nossos iniciadores/as. Eles elas são os sábios/as que ensinam aos que vieram depois deles/as.
Portanto, é para as mulheres semi-iniciadas ou iniciadas de modo incompleto que a dinâmica apresentada em "A pele da foca, pele da alma" é mais ilustrativa. Quando se aprendem todos os passos que devem ser dado ser dados para completar a volta cíclica a casa, mesmo uma iniciação atamancada pode ser desbloqueada, refeita e concluída correctamente. (...)"*

NOTA À MARGEM

Salientar estes aspectos, os de uma possível iniciação de mulheres, feita de forma incompleta e sem um fundamento psíquico é de suma importância nos dias de hoje quando há tantas mulheres sem qualquer preparação a pretender  entrar em processos iniciáticos assim como supostas iniciadores/as também sem a preparação adequada e por vezes mesmo faltando-lhe a seriedade que isso implica, seja a responsabilidade pelos processos desencadeados,  seja a terem em atenção a natureza de cada mulher e o nível de consciência psicológica em que se encontra. Eles/as oferecem os seus préstimos e cada vez mais proliferam grupos de mulheres sem uma verdadeira consciência ontológica, nem um conhecimento de si mesmas abalizado. Um desses conhecimentos fundamentais é ter em conta a sisão das mulheres, ponto para mim de maior importância no meu trabalho, e sem o qual nos baralhamos ou enredamos na ideia dos arquétipos das deusas e caímos no erro das polaridades...eu sou esta ou eu sou aquela.
Para se iniciar em algum caminho alguém, é preciso ter-se feito um caminho fidedigno, ter a maturidade e passado pelo aprofundamento e reflexão da vida, senão corremos o risco de nos basearmos em conceitos e preconceitos milenares e misóginos, recorrendo a processos iniciáticos masculinos que anulam a mulher em si. Sendo esse tipo de iniciações as mais comuns não é raro as mulheres serem levadas a processos masculinos que as podem por sua vez levar a experiências  e escolhas erróneas e depois a graves  desequilíbrios de ordem emocional e psicológica como mulher e toda a confusão de anima e animus. Não ter em conta as duas mulheres cindidas e querer encontrar a "mulher selvagem" sem fazer a ligação entre as duas mulheres cindidas pelo patriarcado, dificilmente podermos chegar a uma integração do feminino profundo.
Pessoalmente, não tenho qualquer pretensão em iniciar ninguém, mas apenas consciencializar a mulher da importância de um conhecimento psicológico profundo e da busca da mulher essência - seja a mulher selvagem, seja  a mulher ctónica que precisa de ser resgatada e unir-se à mulher de hoje que fez o caminho apenas no domínio do intelecto e precisa de voltar as suas raízes... e à inteligência do coração.

Rosa Leonor Pedro

* In Mulheres que correm com os lobos
Clarissa Pinkola Estés

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