O MEU TEXTO DA APRESENTAÇÃO DO LIVRO DE MARIANA INVERNO
"POEMAS NA DENSIDADE"
"Ó subalimentados do sonho! A poesia é para
comer!" ~ Natália Correia
Estamos a
viver um momento cultural e histórico terrível, que a própria Natália Correia
definiu e de algum modo profetizou…
"Ninguém
se pode possuir inteiramente, porque se ignora, porque somos um mistério. Para
nós mesmos. Podemos sim, ser mais conscientes de uma determinada missão que
temos no mundo. Todos nós somos uma missão. Somos a missão de continuar a vida,
aperfeiçoando-a, festejando-a e não destruindo-a como se está a fazer hoje. Eu
não tenho certezas, mas tenho convicções e uma das minhas convicções mais
firmes é que nascemos para a liberdade. E, no entanto, veja o paradoxo: essa
liberdade, esse caminho para a liberdade está a ser cada vez mais obscurecido
por aquilo que observamos no nosso mundo de hoje. Nós chegamos a esta coisa
terrível, o chamado equilíbrio nuclear, que é o jogo de escondidas de duas
disponibilidades criminosas para suprimir a humanidade. A humanidade está hoje
pronta (parece que está sempre pronta!) para pôr luto por si própria. Isto não
é uma forma humana de viver. Esta tragédia tem que ser a sua «húbris», que é,
digamos, a arrogância que desencadeia a catástrofe punitiva. E o que me perturba
muito, o que me assusta, é que países que subscrevem, que proclamam os direitos
humanos, possam entrar num jogo fatal destes, um jogo que se destina a suprimir
o homem." - Natália Correia, in 'Entrevista (1983)'
Assim,
perante este perigo iminente, concreto, digo-vos que mais do que nunca a
necessidade da poesia e do sonho é de vital importância para aqueles e aquelas
que querem sobreviver a este pesadelo humano de terror e guerras e medos.
Ciclicamente
os seres humanos tendem colectivamente a transbordar a sua impotência e
ignorância em violência e baixos instintos por falta de vida verdadeira, por
falta de essência, por falta de humanidade e essa falta acaba por irromper de
forma violenta e fratricida nas sociedades. E é isso que estamos a viver hoje,
fruto da nossa alienação colectiva.
Mas eu não
fui convidada para falar do que se passa no mundo, nem da Natália Correia, mas
sim para falar da poesia e da Mariana Inverno, porque, por muito difícil que
pareça, talvez a poesia seja a única esperança que temos de sobreviver a este
caos que se anuncia cada dia mais, a esta desordem mundial e às ameaças que
pairam sobre todas as cidades do mundo.
É sem dúvida
mais fácil falar do mundo em que vivemos do que nós como indivíduos e do nosso
ser interior ou da nossa subjectividade e é talvez por isso que só a poesia
hoje em dia não se escreve, não se busca
não se vende nem se compra e porque quem escreve poesia também não se vende
nem se troca por qualquer outra roupagem e não vive senão para e da sua essência;
quem escreve poesia porque sente, não busca as
palavras para consumo, não o faz igual aos que vivem presos à aparência e do
bonitinho, presos das formas fáceis de comunicação, superficiais, como quase
tudo do que se escreve nos nossos dias, tão vulgar e descartável. Sim, como
quase tudo o que se passa neste momento e neste mundo prostituído, onde todos
os valores foram invertidos e ninguém quase que sabe quem é quem... Portanto para escrever poesia e dar lugar aos estados de alma, é preciso ter alma – e é isso que mais nos falta nos dias de hoje. Fala-se muito de tudo e de qualquer coisa, temos farta informação sobre o horror e a violência e o crime e a guerra e a crise, mas não se fala do ar que se respira, nem das flores, nem da lua, ou da paisagem triste que nos assola, pois agimos e somos como máquinas e robots…
Mas os poetas sobrevivem à mingua, ao caos e dão voz à sua alma e com isso nos salvam, embora sendo raros, cada vez mais raros…
Vivemos num
mundo de desalmados…
Somos os
“subalimentados do sonho” – eu diria antes, da vida Real, da realeza do nosso
ser - somos prisioneiros de quotidianos e normalidades e coisas inúteis – somos
por isso famintos de beleza, somos famélicos desse amor genuíno e que não
mente, somos quase todos analfabetos do coração e da Matriz primordial.
Perdemos a ligação à fonte da vida, à substância de que ela é feita e tal como
a poesia é feita para se comer…e que quando vivida, trazida de dentro, ela é
alimento.
E é por isso
que aqui estou, mais uma vez, ao lado da Mariana que me convidou para dar
crédito Á PALAVRA…
A palavra
que nos honra, à palavra que vem do coração; e porque ela cria com as palavras
a substância de que é feita a beleza, trazendo-nos essa poesia da alma que nos alimenta.
A poesia é
pois esse sopro que nos traz vida quando tantas vezes nos sentimos a morrer de
fome de algo que nos toque verdadeiramente,
de algo que nos faça vibrar por dentro e nos transforme, e por isso
também estou aqui – e não é tão fácil para mim como pode parecer – mas porque
sei que para ela, como para mim, a poesia é-lhe essencial na vida e ela
é-lhe fiel, eu também sou fiel aquilo que nos liga!
Sim a poesia
que é poesia vem de dentro e do amago, ela é igual à vida quando a vivemos a
partir das emoções e sentimentos profundos e nos aventuramos a SENTIR primeiro,
nessa transcendência do ser… e sentimos antes de pensar ou agir, ao ritmo do
coração e cantamos o sangue que nos corre nas veias e ardemos nesse fogo que
nos anima.
Quis dar-vos
esta sensação visceral de sentir em vez de uma visão mental de uma corrente
literária ou de um estilo…aliás, tal como ela é livre de dizer o que sente e
sem limites de género ou métrica, eu queria que pela palavra sonante
aflorássemos a raiz do verbo, a matriz do Ser Divino que é toda a poesia subentendida,
ou manifesta, na Natureza, na Terra, na Mãe e no Ser Humano e nós cegos, meras
máscaras e egos, intelectos soberbos, deixamos de ver no nosso dia-a-dia as
coisas essenciais… e esperamos por Ovnis e anjos…
A Mariana
Inverno faz assim a diferença na escrita e neste palco da vida, porque é uma
dessas mulheres que carrega em si a essência da poesia e se força na azáfama do
seu quotidiano para lhe dar corpo e vida, não só no seu coração, sempre
presente, mas também à sua volta, no que a rodeia, porque ela mantêm-se viva
agarrada aos pilares da transcendência e não da economia…percorrendo a
densidade que a todos nos engana.
Como ela nos
diz neste seu poema Sonho e sono:
“Não me busques nos caducos modelos
do fingimento e da pretensão
Caminhei tanto e tão duras penas que
o tempo amoleceu todas as máscaras
Eu só sei coisas essenciais e da
imensa inundante compaixão
Pelo fogo do olhar me reconhecerás
pela ressonante palavra e pelo gesto a abrir caminho próprio.”
Não, ela não
abdica da sua luta diária até à exaustão, nem do compromisso com o trabalho, a
família e os amigos e amigas…ela luta em todas as frentes para manter a poesia
viva na sua vida diária, ela constrói um ambiente à imagem do seu sonho e a
arte e a beleza inundam os seus espaços…e é isso que a anima e lhe dá a forças
renovadas para continuar a sua batalha contra os obstáculos, contra a corrente
esmagadora da “normose” em que vivemos todos e todas …ela faz da sua vida, na
medida do possível, diria do tempo que tem, essa poesia com que agora nos
brinda neste livro, e muito bem define, como “Poemas na densidade”- porque é densa esta realidade que ofusca o
que de melhor existe em nós…e nos tira o sonho e a esperança na humanidade
tantas vezes! E eu sucumbo como toda a gente e penso, sim, às vezes tenho mesmo
a ousadia de lhe dizer: “como tu és
ingénua, tu não vês que o mundo é quase todo ele de gente de mentira e que vive
só para a mais-valia do dinheiro e do comércio, um mundo em que tudo se vende e
se compra até os afectos e o amor, sim, tudo menos a poesia…”
Mas ela
zanga-se e responde-me…com o seu sonho …com este livro...
…“Tudo ainda é só mistério Na terra onde regresso Em cada manhã revigorada
Por hora vai-me levando Carinhosa e
vaga Para outros horizontes
Só de mim-dentro conhecidos”
E eu acredito
e calo-me. Na poesia não se argumenta, nada se justifica, nem se convence
ninguém a gostar. A poesia come-se, é substancial, alimento, é para a alma - já
disse e mais não digo. Obrigada a todas e todos os presentes por me ouvirem.Só de mim-dentro conhecidos”
Rosa Leonor
pedro
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