O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

terça-feira, maio 03, 2016

POEMAS NA DENSIDADE







O MEU TEXTO DA APRESENTAÇÃO DO LIVRO DE MARIANA INVERNO
"POEMAS NA DENSIDADE"

"Ó subalimentados do sonho! A poesia é para comer!" ~ Natália Correia

 Estamos a viver um momento cultural e histórico terrível, que a própria Natália Correia definiu e de algum modo profetizou…
"Ninguém se pode possuir inteiramente, porque se ignora, porque somos um mistério. Para nós mesmos. Podemos sim, ser mais conscientes de uma determinada missão que temos no mundo. Todos nós somos uma missão. Somos a missão de continuar a vida, aperfeiçoando-a, festejando-a e não destruindo-a como se está a fazer hoje. Eu não tenho certezas, mas tenho convicções e uma das minhas convicções mais firmes é que nascemos para a liberdade. E, no entanto, veja o paradoxo: essa liberdade, esse caminho para a liberdade está a ser cada vez mais obscurecido por aquilo que observamos no nosso mundo de hoje. Nós chegamos a esta coisa terrível, o chamado equilíbrio nuclear, que é o jogo de escondidas de duas disponibilidades criminosas para suprimir a humanidade. A humanidade está hoje pronta (parece que está sempre pronta!) para pôr luto por si própria. Isto não é uma forma humana de viver. Esta tragédia tem que ser a sua «húbris», que é, digamos, a arrogância que desencadeia a catástrofe punitiva. E o que me perturba muito, o que me assusta, é que países que subscrevem, que proclamam os direitos humanos, possam entrar num jogo fatal destes, um jogo que se destina a suprimir o homem." - Natália Correia, in 'Entrevista (1983)'




Assim, perante este perigo iminente, concreto, digo-vos que mais do que nunca a necessidade da poesia e do sonho é de vital importância para aqueles e aquelas que querem sobreviver a este pesadelo humano de terror e guerras e medos.
Ciclicamente os seres humanos tendem colectivamente a transbordar a sua impotência e ignorância em violência e baixos instintos por falta de vida verdadeira, por falta de essência, por falta de humanidade e essa falta acaba por irromper de forma violenta e fratricida nas sociedades. E é isso que estamos a viver hoje, fruto da nossa alienação colectiva.

Mas eu não fui convidada para falar do que se passa no mundo, nem da Natália Correia, mas sim para falar da poesia e da Mariana Inverno, porque, por muito difícil que pareça, talvez a poesia seja a única esperança que temos de sobreviver a este caos que se anuncia cada dia mais, a esta desordem mundial e às ameaças que pairam sobre todas as cidades do mundo.
É sem dúvida mais fácil falar do mundo em que vivemos do que nós como indivíduos e do nosso ser interior ou da nossa subjectividade e é talvez por isso que só a poesia hoje em dia não se escreve, não se busca não se vende nem se compra e porque quem escreve poesia também não se vende nem se troca por qualquer outra roupagem e não vive senão para e da sua essência; quem escreve poesia porque sente, não busca as palavras para consumo, não o faz igual aos que vivem presos à aparência e do bonitinho, presos das formas fáceis de comunicação, superficiais, como quase tudo do que se escreve nos nossos dias, tão vulgar e descartável. Sim, como quase tudo o que se passa neste momento e neste mundo prostituído, onde todos os valores foram invertidos e ninguém quase que sabe quem é quem...
Portanto para escrever poesia e dar lugar aos estados de alma, é preciso ter alma – e é isso que mais nos falta nos dias de hoje. Fala-se muito de tudo e de qualquer coisa, temos farta informação sobre o horror e a violência e o crime e a guerra e a crise, mas não se fala do ar que se respira, nem das flores, nem da lua, ou da paisagem triste que nos assola, pois agimos e somos como máquinas e robots…
Mas os poetas sobrevivem à mingua, ao caos e dão voz à sua alma e com isso nos salvam, embora sendo raros, cada vez mais raros…

Vivemos num mundo de desalmados…
Somos os “subalimentados do sonho” – eu diria antes, da vida Real, da realeza do nosso ser - somos prisioneiros de quotidianos e normalidades e coisas inúteis – somos por isso famintos de beleza, somos famélicos desse amor genuíno e que não mente, somos quase todos analfabetos do coração e da Matriz primordial. Perdemos a ligação à fonte da vida, à substância de que ela é feita e tal como a poesia é feita para se comer…e que quando vivida, trazida de dentro, ela é alimento. 

E é por isso que aqui estou, mais uma vez, ao lado da Mariana que me convidou para dar crédito Á PALAVRA…
A palavra que nos honra, à palavra que vem do coração; e porque ela cria com as palavras a substância de que é feita a beleza, trazendo-nos  essa poesia da alma que nos alimenta.

A poesia é pois esse sopro que nos traz vida quando tantas vezes nos sentimos a morrer de fome de algo que nos toque verdadeiramente,  de algo que nos faça vibrar por dentro e nos transforme, e por isso também estou aqui – e não é tão fácil para mim como pode parecer – mas porque sei que para ela, como para mim, a poesia é-lhe essencial na vida  e  ela é-lhe fiel, eu também sou fiel aquilo que nos liga!
Sim a poesia que é poesia vem de dentro e do amago, ela é igual à vida quando a vivemos a partir das emoções e sentimentos profundos e nos aventuramos a SENTIR primeiro, nessa transcendência do ser… e sentimos antes de pensar ou agir, ao ritmo do coração e cantamos o sangue que nos corre nas veias e ardemos nesse fogo que nos anima.

Quis dar-vos esta sensação visceral de sentir em vez de uma visão mental de uma corrente literária ou de um estilo…aliás, tal como ela é livre de dizer o que sente e sem limites de género ou métrica, eu queria que pela palavra sonante aflorássemos a raiz do verbo, a matriz do Ser Divino que é toda a poesia subentendida, ou manifesta, na Natureza, na Terra, na Mãe e no Ser Humano e nós cegos, meras máscaras e egos, intelectos soberbos, deixamos de ver no nosso dia-a-dia as coisas essenciais… e esperamos por Ovnis e anjos…
A Mariana Inverno faz assim a diferença na escrita e neste palco da vida, porque é uma dessas mulheres que carrega em si a essência da poesia e se força na azáfama do seu quotidiano para lhe dar corpo e vida, não só no seu coração, sempre presente, mas também à sua volta, no que a rodeia, porque ela mantêm-se viva agarrada aos pilares da transcendência e não da economia…percorrendo a densidade que a todos nos engana.  

Como ela nos diz neste seu poema Sonho e sono:

“Não me busques nos caducos modelos do fingimento e da pretensão
Caminhei tanto e tão duras penas que o tempo amoleceu todas as máscaras

Eu só sei coisas essenciais e da imensa inundante compaixão
Pelo fogo do olhar me reconhecerás pela ressonante palavra e pelo gesto a abrir caminho próprio.”

Não, ela não abdica da sua luta diária até à exaustão, nem do compromisso com o trabalho, a família e os amigos e amigas…ela luta em todas as frentes para manter a poesia viva na sua vida diária, ela constrói um ambiente à imagem do seu sonho e a arte e a beleza inundam os seus espaços…e é isso que a anima e lhe dá a forças renovadas para continuar a sua batalha contra os obstáculos, contra a corrente esmagadora da “normose” em que vivemos todos e todas …ela faz da sua vida, na medida do possível, diria do tempo que tem, essa poesia com que agora nos brinda neste livro, e muito bem define, como “Poemas na densidade”- porque é densa esta realidade que ofusca o que de melhor existe em nós…e nos tira o sonho e a esperança na humanidade tantas vezes! E eu sucumbo como toda a gente e penso, sim, às vezes tenho mesmo a ousadia de lhe dizer: “como tu és ingénua, tu não vês que o mundo é quase todo ele de gente de mentira e que vive só para a mais-valia do dinheiro e do comércio, um mundo em que tudo se vende e se compra até os afectos e o amor, sim, tudo menos a poesia…”

Mas ela zanga-se e responde-me…com o seu sonho …com este livro...

“Tudo ainda é só mistério Na terra onde regresso Em cada manhã revigorada
Por hora vai-me levando Carinhosa e vaga Para outros horizontes
Só de mim-dentro conhecidos”
E eu acredito e calo-me. Na poesia não se argumenta, nada se justifica, nem se convence ninguém a gostar. A poesia come-se, é substancial, alimento, é para a alma - já disse e mais não digo. Obrigada a todas e todos os presentes por me ouvirem.

 Rosa Leonor pedro

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