O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

quarta-feira, dezembro 26, 2018

Lilith foi recalcada para dar lugar a Eva.


“No princípio era Lilith. Digam o que disserem, na origem era o Andrógino. E depois do seu exílio, senão mesmo do seu desterro, o Éden nunca mais voltou a ser o que era antes.” Joelle de Garavelaine


"Eva é a mulher muda, a sombra da mulher, quase um fantasma."

O nosso mundo é dominado e dividido por uma dicotomia profunda, poderíamos dizer dramática desde o... princípio dos tempos, o tempo que para nós "começou" a contar a partir da Bíblia e do Novo Testamento, tendo por base o Velho Testamento e portanto desde há cerca de 5 mil anos…e tudo que fica para trás é votado ao esquecimento, vive nos escombros da nossa memória colectiva.
Toda a História bíblica se fundamenta nessa dicotomia e na divisão das duas mulheres. A Primeira Mulher, que é Lilith, a mulher original que é banida da história do homem, porque não aceitou a sua supremacia, e que não é como supomos e que muita gente crente acredita ainda ser Eva, foi quem primeiro veio ao mundo, considerada a primeira mulher de Adão segundo o Corão e criada da mesma matéria que o homem em plano de igualdade. Só depois da rebelião de Lilith é que deus resolveu tirar da costela de Adão um mulher inferior que deu pelo nome de Eva, mas a quem a Serpente deu a comer a maça do conhecimento. Essa Serpente não era senão Lilith, a parte da mulher que ficaria para sempre reduzida à sua sombra e a viver no exílio da nossa psique, enquanto a mulher servia o Homem e a comunidade...


"Eva é a mulher muda, a sombra da mulher, quase um fantasma. (...)
Eva está incompleta, falta-lhe alguma coisa: trata-se do aspecto Lilith que ela por vezes toma quando se revolta"
“Fosse a maça oferecida por Lilith-Serpente e aceite por Eva ou a caixa inquieta de Pandora (as mitologias patriarcais sempre responsabilizaram a mulher pelo desastre universal), o certo é, que é nestes mitos que nasce a dualidade e a condição humana, com a sua insatisfação permanente, a sua busca obsessiva da perfeição impossível, das origens e do Absoluto.”*

No mapa astral, Lilith ou Lua Negra indica sedução e ânsia de liberdade. Influências que atingem nossas personalidades. A Lua exerce uma influência no inconsciente, nos sonhos, no sono, na memória, nas emoções e nas reacções espontâneas.
Isso corresponde a uma nova imagem da mulher que aparece hoje no inconsciente colectivo.


Por isso, "Lilith foi recalcada para dar lugar a Eva. Eva representa portanto a mulher vista, educada, modelada pelo homem. Eva está incompleta, falta-lhe alguma coisa: trata-se do aspecto Lilith que ela por vezes toma quando se revolta; o aspecto que Eva tomou, quando comeu a maçã; o aspecto que tomará a Virgem Maria ao dar à luz um filho que se revoltará contra o pai e imporá uma nova lei, o Evangelho (a boa nova) do Filho (e da Mãe). Assim se processa a passagem do Judaísmo (Paternalismo) ao Cristianismo primitivo (Maternalista), que será imediatamente recuperado pelas autoridades Patriarcais e desviado dos seus verdadeiros objectivos.

Com efeito, Eva, a mulher, encontra-se alienada. Ela não possui por inteiro a sua personalidade. Ela não será mais que a forma castrada (de Jeová e de Adão) e não a imagem da parte feminina de Deus. Deste modo, a representação duma forma do desejo, duma metade da ex-potência divina absoluta é afastada, e torna-se tão silenciosa como a vagina duma rapariguinha. Eva é a mulher muda, a sombra da mulher, quase um fantasma. A mulher real é Lilith. E no mito celta, Blodeuwedd, nascida das flores – é este o sentido do seu nome –, não é senão uma sombra de mulher: é uma criação artificial do espírito macho de Gwyddyon, não passa dum reflexo castrado do homem.

Mas quando se revolta, ela abandona o seu aspecto Eva para assumir o de Lilith e deixa de estar alienada. Nascida das flores e ligada à terra no passado, torna-se agora ave nocturna, podendo assim aparecer a qualquer homem durante a noite, ou seja, enquanto o sono permite ao inconsciente que ela surja nos seus sonhos.

Na verdade, qualquer homem, insatisfeito no fundo de si próprio, e sem ousar admiti-lo, sonha com Lilith-Blodeuwedd, a única que poderia satisfazer o seu desejo de infinito, uma vez que a Eva que ele tem ao seu lado não é mais do que uma caricatura da feminilidade, embora tenha sido ele quem assim a quis."*

RLP

*La Femme Celte, Jean Markale,
Petite Bibliothèque Payot

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