O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

sexta-feira, agosto 09, 2019

Afinal o que é o sagrado?



Os nomes do Sagrado 
por Wofiira Morrigan

Esta semana entrei em um processo de reclusão voluntária para participar de um rito iniciático – meu corpo acompanha me dando um “tempo pra pensar” ao adoecer sem motivo aparente – e, entre um pensamento e outro, veio à minha mente o assunto do Sagrado. Em especial, o movimento do Sagrado Feminino.
Antes de chegar ao ponto dos meus pensamentos, permitam-me fazer uma rápida revisão histórica sobre a questão…
Desde meados do século XX houve uma retomada maciça dos preceitos sagrados antigos de povos das mais diversas etnias. Líderes surgiram em várias nações e culturas, trazendo de volta conhecimentos que ficaram esquecidos por milênios. Os panteões dos antigos Deuses, seus mitos e simbolismos foram trazidos novamente à atenção geral, desta vez em uma nova perspectiva, em decorrência da crescente globalização cultural que aos poucos determinaria uma nova ordem para o mundo.
A partir disso, os movimentos do paganismo e do neopaganismo deram início a um novo entendimento de todo um arcabouço de símbolos e práticas de conexão com as divindades ancestrais, ao mesmo tempo em que algumas discordâncias surgiam na busca por esse conhecimento antigo – um grande diamante bruto que precisaria ser novamente lapidado.
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Uma adenda importante sobre a palavra “pagão” (do latim paganus, que significa “camponês”, “rústico”): adotada pelos cristãos para nomear todos aqueles que, obviamente, não seguiam os preceitos cristãos – mesmo que nem mesmo alguns seguidores do Cristo, ainda hoje, entendam o que isso queira dizer – o termo era usado para rotular todos os que não aceitavam o batismo e não seguiam os dogmas da Igreja. Coloque nesta conta também cientistas, curandeiros, astrólogos, filósofos, e tantos outros que ousaram não seguir os preceitos difundidos pela Igreja, quando não eram simplesmente rotulados de “bruxos”. Todos, quase sem exceção, acabavam entrando nesta categoria única, porém absolutamente heterogênea. Dito isso, é preciso ter em mente que o conceito de paganismo tem um sentido amplo. Grande parte das religiões ligadas à natureza e que não seguem os dogmas do cristianismo são ditas pagãs. Algumas dessas tradições não se identificam com o título generalizado de “paganismo” – o que, no fim das contas, pode não ser apenas uma questão de nomenclatura. O movimento neopagão foi assim chamado por trazer uma perspectiva um pouco diferenciada (e talvez moderna) dos cultos aos Antigos Deuses, ainda que tenham sido preservados os seus simbolismos e mitos. O neopaganismo também conferiu à retomada da sabedoria ancestral certo ar global, na medida em que uniu conceitos, abriu a possibilidade para os panteões “conversarem” entre si, e ao afirmar a existência de um único Deus e uma única Deusa com variadas faces.

Mas isso já é assunto para outro post…

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Toda essa movimentação surtiu um efeito fantástico para desmistificar as antigas religiões, tirando-as do mesmo balaio do diabo cristão da Idade Média para ressurgir nas rodas de discussão filosóficas, acadêmicas e religiosas. A (re)descoberta de Deusas poderosas, sábias e guerreiras propiciou às mulheres o reconhecimento de si mesmas como sagradas, não mais precisando delegar o poder a um sacerdote ou qualquer tipo de intermediário para acessar a divindade. Saíram, enfim, da posição de meras coadjuvantes de uma elite divina que dificilmente as colocaria em pé de igualdade com um Deus Todo Poderoso essencialmente masculino.

A partir disso, líderes femininas (e feministas) em países como os Estados Unidos, Inglaterra, e também no Brasil, começaram a tirar os véus dos mistérios há muito tempo escondidos, relegados aos contos de fadas e aos livros de História. A psicóloga junguiana Clarissa Pinkola Estés (autora de Mulheres que Correm com os Lobos) foi um dos ícones desta força, e sua obra tornou-se quase que a nova “bíblia” da retomada de uma sacralidade feminina que, com certeza, nunca fora esquecida.
Chegamos enfim ao assunto que motivou a escrita deste post: o Sagrado Feminino. Em termos de popularidade, o movimento do Sagrado Feminino pegou o mesmo embalo que o movimento do paganismo e neopaganismo, e do que foi chamado ressurgimento da Deusa – para entender de forma mais ampla sobre as Deusas na História humana, recomendo fortemente a leitura do livro Todos os Nomes da Deusa, do antropólogo (maravilhoso) Joseph Campbell.

Mas, afinal, o que é o Sagrado Feminino?


De acordo com Isabela Serafim, em uma matéria pra a revista Glamour, o Sagrado Feminino é considerado tanto uma filosofia quanto um estilo de vida, ao promover ensinamentos a respeito de aspectos físicos e mentais da figura feminina. Alguns desses aspectos abarca a consciência dos ciclos femininos, propiciando a reconexão da mulher consigo mesma e a harmonização dos próprios ciclos com a natureza.

O Sagrado Feminino tornou-se, então, o nome de um movimento de mulheres buscando um contato consigo mesmas, após anos de marginalização de todos os tipos, e em especial dentro da própria noção de divino. Uma nobre missão para um movimento que carrega em si praticamente toda a História da humanidade, inspirando respeito e admiração em quem a procura conhecer.
No entanto, o movimento do Sagrado Feminino sucumbiu ao status quo que as primeiras líderes femininas combatiam com tanto rigor: o feminino sagrado foi retirado de uma perspectiva do mítico para revelar-se apenas no místico: as Deusas, mitos, lendas, contos acabaram se tornando uma “temática” para a abordagem de assuntos relacionados ao feminino, em uma perspectiva de orientadoras que conduzem outras mulheres na descoberta de si mesmas, em cursos, vídeos no YouTube, textos em blogs, etc, etc, mas pouco fez pela retomada da força da mulher.

E antes que eu seja mal-interpretada, explico: todas as lendas e mitos antigos indicavam um caminho para o aprendizado. O conhecimento apenas seria adquirido com muito esforço e afinco, com muita observação e dedicação, por isso todos os simbolismos e metáforas. Nada nunca era dado de mão beijada. Hoje, no entanto, mulheres (e homens também) consomem um conhecimento mastigado e dividido em “módulos”, e não se preocupam em refletir sobre o que está sendo ensinado. Não há mais a jornada do herói – ou da heroína. Não há mais o processo iniciático, não num sentido de dogmas ou rituais, mas enquanto uma jornada necessária para a ascensão, e que requer uma ação voluntária.

Vemos claramente essa jornada na questão do masculino, mas não adotamos essa mesma perspectiva quando falamos da força do feminino. Mulheres guerreiras, autônomas, que pensam e falam por si ainda são muito rotuladas e, geralmente, esse comportamento fica de fora das rodas e cursos do movimento do Sagrado Feminino. Mulheres falam do feminino, mas não entendem o que é o feminino. Mulheres conversam sobre o feminino, mas não compreendem o feminino. Mulheres dançam as danças do feminino, mas não sabem lidar com o feminino.

Mas, enfim, onde está o problema?

Ele é basicamente conceitual, meus caros e caras, e um tanto filosófico. Nós esquecemos o que é ser mulher (ou não aprendemos, ou desaprendemos), pois, assim como as Deusas, também fomos relegadas ao esquecimento por séculos e séculos. E ainda não terminamos de lembrar.

Antes de falarmos em Sagrado Feminino precisamos nos lembrar, primeiro, o que é o Sagrado. E o Sagrado é muito difícil de abarcar… pelo simples fato de que ele é absolutamente TUDO.

Ou aprendemos a fazer a jornada… ou vamos continuar abordando o conhecimento ancestral como um curso de pós-graduação.

6 comentários:

Anónimo disse...

"... o Sagrado Feminino sucumbiu ao status quo..." Pior do que isso, porque para além do "espiritual" se ter tornado num negócio como outro qualquer, com promoções, descontos, oportunidades únicas, "iniciações" (como se alguma iniciação pudesse jamais ser comprada!?), estes círculos do "sagrado feminino" tornam-se, frequentemente, num meio de recrutamento de mulheres vulneráveis para outros cursos de longa duração, pseudo-terapias do "menú das terapias", etc., etc.

Um beijinho grande

Ana

rosaleonor disse...

Obrigada Ana, é sempre bom reencontrar mulheres conscientes e lucidas neste mundo quase circense e que pena...não haver mais mulheres (como nós) que entendam como se cai em ciclos viciosos e saiam desses círculos e os denunciem. O mesmo com os falsos mestres. O Sistema consegue sempre conspurcar todos os movimentos introduzindo os seus vícios e o espirito de mentira para alienar as mulheres de si mesmas!
grande beijinho

rlp

Unknown disse...

Una consulta que sabe usted sobre "decapitar al dragon rojo de Catherine Despeux?

Vânia disse...

Mais vale investir em livros. Bom dia.

Vânia disse...

Por isto é que continuo a investir em bons livros 🙂 boa tarde. Saudades e beijos 😚❤️

Vânia disse...

É quando não vejo quase nada á frente que avisto alguma coisa. Literalmente. Engraçado é que a minha Mimi vai na frente a abrir espaço e a olhar para trás a observar onde eu me entro. 🌹