O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

quarta-feira, agosto 07, 2019

JOUMANA HADDAD EM LISBOA


Joumana Haddad - LER AQUI TEXTO INTEGRAL


EXCERTO DA ENTREVISTA
(...)
Como vê a situação das mulheres no mundo árabe? Porque há diferenças, não são todas tratadas da mesma forma nos diversos países. Onde é que a pressão é maior, como é no Líbano, onde as coisas são menos rígidas? [mais uma pergunta da assistência, outra vez de um homem]
Sei que pela aparência pode parecer que as mulheres no Líbano gozam de uma liberdade que outras mulheres, noutros países árabes, não têm. Mas é preciso dizer duas coisas: em primeiro lugar, é apenas aparência, porque as leis do Líbano são muito sexistas, são muito discriminatórias em relação à mulher - somos cidadãos de segunda - e, em segundo lugar, se há mulheres emancipadas, quer dizer, que parecem emancipadas, elas não são mais do que talvez 20% a 30%, pelo que não devemos generalizar. Pessoalmente, penso que as mulheres na Tunísia gozam de muito mais respeito e dignidade do que as mulheres libanesas, porque tiveram a lei do seu lado desde 1950/60, quando tiveram a oportunidade de ter um bom ditador, entre aspas, Habib Bourguiba, que era um feminista, e que deu às mulheres todos os seus direitos, até mais, o que fez com que, geração após geração, um mundo onde faltar aos direitos das mulheres seria impensável. E foi por isso, por exemplo, que quando os islamitas na Tunísia se preparavam para retomar os seus direitos, não conseguiram, porque as mulheres tinham expectativas de liberdade, de poder. Elas levaram cinquenta anos a acumular força. Isso nunca aconteceu entre nós, onde as mulheres se contentaram com poder vestir-se como querem, ir dançar... indícios de liberdade superficiais. Nunca tivemos acesso ao Estado ou aos nossos direitos nem a nossa identidade foi respeitada.

As mulheres, supostamente emancipadas em Itália e noutros países europeus, cedem todos os dias ao consumismo e ao poder da publicidade graças a um ideal de beleza que dita que as mulheres têm de ser belas, além de tudo o resto. O que pensa disto? [a pergunta, claro, é feita por uma italiana, Giuseppina]

A Giuseppina, para os que não perceberam, pergunta-me, mas já deu a resposta, o que penso da mulher que é vista como um objecto, um naco de carne, a mulher que tem de ser bela. Para explicar este modelo de mulher digo muitas vezes esta frase, que sei que é provocadora: ou bem que é necessário esconder-se completamente ou bem que é necessário expor-se de mais. Para mim não é contraditório, vai dar ao mesmo. É uma anulação da mulher, digamos assim. Anulamos a sua existência quando a escondemos ou quando a reduzimos a um objecto de contemplação, em ambos os casos ela não tem sequer o direito de respirar. Mas também não devemos esquecer que as mulheres têm a sua quota parte de responsabilidade por aceitar este tratamento. Falo com feministas ocidentais e digo-lhes: não deixem perder aquilo que ganharam nos anos 60 e 70, porque se paramos de lutar, voltamos para trás.

[E, por falar em Itália, Joumana lembra-se de outro grave problema]

Outro grande problema, que existe tanto em Itália como em Espanha [José Mário e a planteia logo fazem notar que é comum a Portugal] é o femicídio. A matança de mulheres, toda esta violência sobre as mulheres, é muito perigosa. O que vou dizer está longe de retratar essa gravidade, mas vou contá-lo. Certo dia, uma mulher sueca escreveu-me a dizer: "Não temos o mesmo salário que os homens, apesar de desempenharmos as mesmas funções". Estamos a falar de um país que consideramos ideal em matéria de direitos das mulheres, digamos assim. Ainda é preciso trabalhar muito em termos de justiça, de igualdade. Porque trata-se de justiça. Se faço o mesmo trabalho, se tenho as mesmas competências, é suposto receber o mesmo salário, ser paga da mesma forma, independentemente de ser homem ou mulher. E é preciso não esquecer que a Itália é um pouco especial, porque tem uma certa relação com a religião e uma proximidade com o Vaticano... E todos sabemos que o catolicismo não é muito gentil com as mulheres [risos].

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