O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

segunda-feira, maio 08, 2023

A origem dos rituais iniciáticos...


A Maternidade, condição estritamente feminina, terá sido o primeiro acto Mágico 
(seguido da produção do fogo).

As reminiscências da vida anterior à separação traumática no parto podem ser responsáveis pelas fantasias arcaicas de uma idade de ouro esquecida.

A origem dos rituais iniciáticos, em que se pretende emular um segundo nascimento do qual a mulher não participa, parece ser também a maternidade. Mulheres (quando lhes permitido) e homens renascem então, como filhas e filhos de um sacerdote masculino e de uma contraparte imaterial feminina - a escritura sagrada, a mãe de deus, ou o arquétipo da sabedoria.
Em todas as tradições religiosas mundiais ecoa o rapto da mais genuína e elevada forma de amor - o amor maternal, que foi então convertida e reconfigurada, num conceito abstracto e irrealizável de amor universal, amor cósmico e amor divino.
O amor e a conexão, ou o sentido de pertença, enraizamento e identidade, como necessidades biopsíquicas e espirituais dos seres humanos, permanecem insuperáveis. Esta relação do vínculo materno com a nova alma que reentra no mundo da vida, não conseguiu ser empalidecida pela criação de uma divindade que suprimisse a mãe e a mulher.

Uma dessas memórias longínquas, da glória do amor materno, sobreviveu no épico Mahābhārata. Inserida no livro Anuśāsana, a história é relatada pelo príncipe guerreiro Bhīṣma ao seu sobrinho Yudhiṣṭhira. Assim se traduz o texto:
Yudhiṣṭhira perguntou então a Bhīṣma: "Quem sente mais prazer durante a união sexual, o homem ou a mulher?" Em resposta, Bhīṣma contou uma história sobre o Rei Bhaṅgāsvana.
Bhaṅgāsvana era um rei piedoso que não tinha filhos. Para corrigir a situação o rei executou o o procedimento Mágico denominado agniṣṭuta. Uma peculiaridade desse ritual é que exclui o deus Indra. Por esta razão, Indra sentiu-se insultado e planeou a sua vingança.

Um dia, o rei foi caçar na floresta e Indra retirou-lhe a capacidade de orientação e a força vital, deixando o rei confuso e perdido. Vagueou sozinho e sentiu-se cansado, com fome e com sede, até que encontrou um belo lago com água pura. Depois de levar o seu cavalo a beber, entrou no lago para tomar banho e saciar a sede. Para sua surpresa, quando entrou na água, transformou-se numa mulher.
Ao olhar para a sua imagem reflectida no lago, sentiu-se confusa, envergonhada e ansiosa. Sem saber como reagir pensou em como cavalgar como uma mulher, e em como voltar para o reino, pensou nos seus súbditos e na reacção do povo. Mas o rei encheu-se de coragem, vestiu as suas roupas e cavalgou de volta ao reino, surpreendendo todos os que a viram. Explicou o que havia acontecido, pediu aos seus cem filhos que governassem e abraçou uma vida de retiro espiritual num eremitério na floresta, onde conheceu um espiritualista com quem contraiu um novo matrimónio, e deu à luz mais cem filhos.
 
O rei, agora mulher, retornou ao reino para se reunir com seus filhos mais velhos. Apresentou os mais novos aos mais velhos, pediu que cooperassem pacificamente e retornou ao eremitério na floresta. Os seus 200 filhos tornaram o reino próspero, o que indignou o deus Indra que engendrou uma nova vingança.
O deus Indra, que queria prejudicar o rei, pensou que afinal lhe tinha concedido uma bênção.
Indra decidiu semear a discórdia entre os irmãos. Disfarçado de conselheiro ministerial incitou os irmãos a se odiarem. Seguiu-se a guerra em que os 200 filhos acabaram perder a vida, o que deixou Indra feliz.
A mãe, recebendo a notícia da morte dos filhos, chorou amargamente. E Indra, ainda disfarçado de conselheiro ministerial, dirigiu-se a ela e perguntou: - "Bela senhora, por que choras tão amargamente? Não é comum a uma mulher espiritualista (yoginī) reagir com lágrimas." A mulher explicou que outrora foi um rei, e que acabara de perder todos os seus 200 filhos.
Indra sentiu então o doce sabor da vingança. Desvelou a sua fisionomia como Rei dos Céus e explicou que se sentiu insultado por não ter recebido nenhuma oblação do rei e decidiu vingar-se fazendo com que seus filhos se matassem. A mulher pediu perdão ao deus Indra e explicou que não teve a intenção de insultá-lo, tinha seguido tão somente os procedimentos mágicos para poder gerar filhos.
Indra ofereceu-lhe uma bênção: "Posso ressuscitar cem dos teus filhos. Quais, entre os cem, gostarias que ressuscitasse?". A mulher respondeu: "Por favor, reviva os filhos que nasceram de mim nesta forma feminina." Surpreso, Indra perguntou: "Mas por que tens mais afeição por estes?" "O amor de uma mãe", explicou, "é mais forte do que o amor de um pai." Indra ficou muito satisfeito e ressuscitou todos os 200 filhos. Ofereceu-lhe ainda mais uma bênção: "Também te dou a opção de recuperar a tua forma masculina ou pode continuar a ser mulher. Qual é a forma escolhes?" "Prefiro permanecer como estou", disse ela. "Não quero ser um homem novamente." Indra perguntou a razão de tal escolha. Ela respondeu: "Eu conheci a união sexual tanto como homem quanto como mulher. Tenho mais prazer como mulher." *

Ananda Krishna Lila*
*A tradução do texto foi elaborada com a simplificação de algumas frases e palavras

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