O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

terça-feira, dezembro 19, 2017

"O corpo feminino é um labirinto no qual o homem se perde."



"A PASSAGEM DO CULTO DA TERRA AO CULTO CELESTE DESLOCOU A MULHER PARA A ESFERA INFERIOR”*.

“É correcta a identificação mitológica entre a mulher e a natureza. O contributo masculino para a procriação é fugaz e momentâneo. A concepção resume-se a um ponto diminuto no tempo, apenas mais um dos nossos fálicos pico de acção, após o qual o macho, tornado inútil, se afasta. A mulher grávida é demonicamente (diamon), diabolicamente completa. Como entidade ontológica, ela não precisa de nada nem de ninguém. Eu defendo que a mulher grávida, que vive durante nove meses absorta na sua própria criação, representa o modelo de todo o solipsismo, e que a atribuição do narcisismo às mulheres é outro mito verdadeiro. A aliança masculina e o patriarcado foram os recursos a que o homem teve de deitar a mão a fim de lidar com o que sentia ser o terrível poder da mulher. O corpo feminino é um labirinto no qual o homem se perde. É um jardim murado, o hortus conclusus do pensamento medieval, no qual a natureza exerce a demónica feitiçaria. A mulher é o construtor primordial, o verdadeiro Primeiro Motor. Converte um jacto de matéria expelida na teia expansível de um ser sensível, que flutua unido ao serpentino cordão umbilical, essa trela com que ela prende o homem.”*

POR UMA QUESTÃO DE CLAREZA

Percebo que tanto homens como mulheres se sintam muitas vezes incomodados por eu “defender” exaustivamente as mulheres e por isso me acusam de radicalismo, feminismo ou quando não de outra coisa qualquer. Tanto os homens como as mulheres reagem às minhas tomadas de posição e me acham exacerbada ou tendenciosa…


Quero por isso deixar claro que não pretendo criar antagonismo nem divisão entre o homem e a mulher. Não. Essa divisão existe por si há séculos. O meu trabalho nada tem a ver com oposição ou antagonismo em relação ao ser homem. Não é aí que está o cerne da questão A questão coloca-se no facto de a mulher estar em desvantagem em termos de identidade da mulher como mulher e não na mulher que vive em função do homem. Por isso penas trabalho com a consciência do ser mulher em si dado o afastamento da mulher comum da Mulher original, dessa mulher que a grande maioria das mulheres não sabe que é...coisa que os próprios homens não podem entender à partida e naturalmente julgam-se injustiçados por eu defender as mulheres sem evocar os homens bons ou justos…os homens femininos…

Eu podia dizer que sou uma Mulher com um masculino integrado, mas é como mulher que reflicto e expresso o que sinto. Falo por isso da natureza do ser Mulher em si e independentemente do meu lado masculino. Não entendo como há mulheres a falar sobre a natureza dos homens nem como há homens a falar sobre a natureza das mulheres porque obviamente são naturezas distintas e reflectem aspectos opostos da vida ainda que complementares, no caso de ambos os seres estarem em paridade interior digamos o que não acontece em geral.
O que acontece historicamente com a mulher, do meu ponto de vista e entendimento - e não com o homem (embora ele também sofra as consequências dessa divisão na mulher que ele criou - é que ela está dividida em dois aspectos de si – de um lado o aspecto maternal e do outro o aspecto erótico-sensual – e isso causou uma cisão na própria mulher que a divide em duas mulheres distintas social e psicologicamente.
Pretende-se hoje essas diferenças já não existam, mas é pura ficção. Será assim tão difícil o que estou a dizer sendo tão óbvio na nossa sociedade a existência dessas duas mulheres? Não é assim que vemos de um lado a pobre prostituta e a desgraçada, a mulher da rua ou a mulher fatal e do outro lado a mulher honesta, séria e recatada a do lar, ainda hoje? …
De onde vem essa divisão e essa distinção e essa separação; onde é que ela começa senão na cabeça dos homens que a projectaram nas mulheres considerando uma mulher boa e outra má e pecadora de acordo com os conceitos religiosos de quase todas as cosmogonias e o pecado (a sujidade da mulher associada ao sangue da vida… e não da morte) e toda essa inacreditável pregação milenar religiosa que sempre perseguiu as mulheres? É mentira que a Inquisição existiu? Que perseguiram e mataram milhares de mulheres em fogueiras os cristãos? Que a percentagem de mulheres e homens queimados faz a diferença abismal dos 90 por cento ou mais?
Eu não estou com isto a acicatar as mulheres contra os homens nem a culpá-los individualmente. É uma realidade histórica abafada tal como história da Deusa Mãe o foi. Se os homens se sentem discriminados ou fora do texto, é porque não querem ver onde e como o mundo subjugou a mulher e a manipulou e ele próprio se sente ainda tão senhor de si mesmo que nem pensa ou olha para os factos reais.

Na minha escrita eu procuro apenas trazer à mulher uma consciência de si que ela não tem e que se perdeu nos confins do tempo através dessa saga milenar de luta do homem contra a natureza e a mulher pelo medo de ser submerso pelas forças instintivas da Natureza. Trata-se de resgatar a consciência do seu ser em profundidade, a parte que a sociedade patriarcal de facto conseguiu suprimir e alienar na mulher, tornando-a um ser metade de si mesma. Este aspecto que eu foco nada tem a ver com a dualidade na manifestação, nem com a dualidade do ser humano, mas com a cisão da mulher . Isso acontece porque a mulher na sociedade ocidental, pela força e influência dos arquétipos ainda em vigor, tendo a Virgem de um lado e a Pecadora do outro, ela própria está dividida em dois estereótipos ou mais que a dilacera e nem ela mesma tem consciência disso e é por essa razão que assistimos a tamanhas discrepâncias na sociedade em relação ao ser mulher e a própria mulher aceita submissamente toda essa divisão, não compreende o seu conflito, julgando que ela é sempre a senhora e a outra é que é a prostituta e a culpada.
Mas digamos que não há culpados nesta história mas sim responsáveis…e no caso específico do nosso mundo é o homem quem assumiu o controlo da natureza e da mulher a seu belo prazer e isso são só os factos históricos. Tudo o que pretendo é que a mulher perceba a sua divisão e que tudo faça para integrar as duas mulheres divididas sem as separar o lado maternal do lado sensual. Por isso temos de olhar e ver o que está por detrás dessa história é algo muito mais atávico e que se baseia no medo da morte e na incógnita da vida e do mistério da Natureza que o homem não conhece e a qual a mulher está indissociavelmente ligada…Ela tem o poder de dar vida...

Por alguma razão entre os dois seres calhou à Mulher ser o espelho da Natureza cíclica e ctónica, por isso obscura e temível, e o homem por medo das forças incontroláveis da natureza, ele reflectiu o seu medo da mulher no desejo de controlar o que lhe escapava ao seu domínio procurando ter poder sobre a mulher e a Natureza ao mesmo tempo…Como diz Camile Paglia "O corpo feminino é um labirinto no qual o homem se perde." E onde nunca se encontrou...
Penso que é nisto que temos de reflectir e ver a como a nossa divisão nos empobreceu e tirou o poder de sermos inteiras...
rlp
*camile paglia - personas sexuais

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