O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

terça-feira, novembro 15, 2016

Sob os auspícios da Serpente,



Eu sou Lilith, o segredo dos dedos que insistem. Quebro caminhos divulgo sonhos rebento as cidades do macho com o meu dilúvio. Não reuno dois de cada espécie na minha arca Em vez disso, volto a eles, para que o sexo se purifique de toda a pureza. Eu, versículo da maçã, os livros escreveram-me, ainda que não me tenham lido. Prazer desenfreado esposa rebelde o cumprimento da luxúria que leva à ruína total. Na loucura se entreabre a minha camisa. Os que me escutam merecem morrer, e aqueles que me não escutam morrerão de despeito.

Eu não sou nem a rebelde nem a égua fácil.
Antes o desvanecer do pesar último.

Eu Lilith o anjo devasso. Primeira fuga de Adão e corrompidora de Satanás. O imaginário do sexo reprimido e o seu mais alto grito. Tímida pois sou a ninfa do vulcão, ciumenta pela doce obsessão do vício. O primeiro paraíso não pôde suportar-me. E caçaram-me para que eu semeie a discórdia na terra, para que governe nos leitos os assuntos dos meus sujeitos.
Sorte dos conhecedores e deusa das duas noites. União do sono e do despertar. Eu, o feto-poetisa, ao perder-me ganhei a vida. Regresso do meu exílio para ser a esposa dos sete dias e as cinzas do amanhã.
Eu sou a leoa sedutora e volto para cobrir as submissas de vergonha e para reinar sobre a terra. Venho para curar a costela de Adão e liberar cada homem da sua Eva.
Sou Lilith
Regresso do meu exílio
Para herdar a morte da mãe a que dei vida.


DE Joumana Haddad
O Feitiço da Serpente

"O manto escorregou-lhe ao longo das costas nuas em direcção ao chão, no entanto, parecia que ainda continuava sobre si. Quase se poderia contar o ar partícula a partícula. Havia uma electricidade no ambiente semelhante àquela que se sente antes de uma trovoada. Os seus pés caminhavam através das lajes pretas e brancas, como uma peça de xadrez que desliza ao longo do tabuleiro. Silencioso e inexorável como a Torre e, contudo, directo e fatal como a Rainha.

O som oco do bambu tocava a melodia ordenada pelo vento quente que se esgueirava por uma janela no extremo oposto, e era quebrado por pesadas cortinas de veludo cor de sangue, que se moviam subtilmente revelando fantasmagóricas formas femininas que dançavam à sua passagem.

Toda a sala parecia um útero profundo, macio e enigmático, que aguardava a sua chegada com a inevitabilidade de uma velha profecia. O fumo do incenso serpenteava à sua volta, entontecendo-o, embriagando-o. As imagens começaram a aparecer em flashes, inexplicavelmente sincronizadas com o pulsar do sangue nas suas veias dilatadas pela mistura da excitação e do medo.

Através das cortinas de fumo, revelou-se o corpo de uma mulher, que se movia de forma sinuosa como uma serpente, dançando lentamente ao ritmo dos bambus. A Deusa. A Bruxa. Aquela que Tudo Vê. Sentiu-se capaz de sacrificar a sua própria vida para poder perpetuar aquela visão, de se oferecer para ser seu escravo. De matar ou de morrer.

Engoliu em seco, enquanto uma gota salgada de suor lhe escorria pelas têmporas. Os olhos ardiam-lhe e desfocavam-se numa névoa que mal lhe permitia ver. Totalmente submisso, de corpo nu, transpirado e a latejar de medo e desejo, mal conseguia pensar com clareza.

Talvez fosse tudo um sonho, uma alucinação, ou uma obsessão que foi longe demais. Os cabelos longos, escuros e ondulados da mulher beijavam-lhe provocadoramente os seios como serpentes vivas, lânguidas e famintas.

Deu um passo em frente, movido pelo desejo que não se consegue conter e nos leva a saltar para o abismo só pelo prazer de voar. É na loucura que está a razão.

Beijou com devoção os seus pés brancos e suaves como uma delicada flor de lótus. Ousou olhá-la nos olhos de ágata-de-fogo, que o aprisionaram num transe hipnótico. Entregou-se. Sentiu-se asfixiar, enquanto o prazer lhe invadia o corpo. Estava a ser devorado pela serpente. O seu sibilar penetrava-lhe os ouvidos como uma corrente eléctrica. Nada mais importava. Ali estava tudo.
O Alfa e o Ómega. A Grande Iniciação.

Gradualmente, todos os seus dedos foram sendo sugados, os lóbulos das orelhas, o pescoço, os mamilos, o sexo, a ponta da língua. E tudo ficou completamente escuro.

...

Quando acordou, tinha os seus lençóis enrolados à volta das pernas. Sentou-se na beira da cama, confuso. Teria sido tudo um sonho?

O seu coração disparou quando olhou para baixo e se deparou com uma pequena tatuagem de uma serpente que apareceu misteriosamente no interior da coxa esquerda..."

- Fim -

Sob os auspícios da Serpente,

TEXTO gentilmente cedido por Hazel Claridade

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