O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

quarta-feira, janeiro 09, 2019

Quem é realmente esse ser que se emancipa...


SÓ UM NOVO SISTEMA DE VALORES...


(... )
"Perante o movimento acelerado e irrevogável da emancipação feminina, o homem que sempre concebeu a feminilidade projectivamente, de modo a satisfazer o seu ideal de compleitude, pergunta-se: Quem é realmente esse ser que se emancipa...
(...)
A revolução feminina foi inicialmente prejudicada por um factor que afecta, no seu impulso, todos os levantamentos revolucionários: a tendência para a apropriação dos bens contra os quais se dirige a tensão revolucionária. É nesta idiossincrasia revolucionária, e não numa psicologia de imitação, que deve fundamentar-se aquela caracteristica facilmente criticável no movimento feminista. Isto é: a aspiração a usufruir uma herança cultural que foi sonegada ao lado feminino da Humanidade.
(...)
É certo que o feminismo, concebido como caricatura dos previlégios viris, foi uma traição feita à mulher. Traição porventura involuntariamente cometida pelos campeões do feminismo, que doutrinariamente ou legalmente lhe deram acesso a uma cultura vinculadamente masculina, na qual a produção feminina resultaria sempre inferior. Dessa rasteira de falsa promoção, que os paladinos do feminismo passaram à mulher, poder-se-á talvez dizer, em abono destes, que das suas boas intenções conscientes se fizeram obscuras aliadas às defesas inconscientes do varão. O resultado da emancipação feminina processada por essa via é elucidadtivo: quer na américa (...), quer na Rússia, (...), as máquinas da administração e da cultura são manejadas por homens, sendo a mulher o mero instrumento de uma sociedade rigorosamente orientada por critérios masculinos.
(...)
Mas se para a índole feminina, a sua participação numa cultura objectiva exclusivamente masculina, resulta um fracasso ao nível criador, esse fracasso é propriamente a denúncia de uma cultura que exclui a subjectividade ( característica feminina ) de uma grande parte dos indivíduos que são forçados a usufruí-la inadequadamente. O reconhecimento desta situação invalida imediatamente o conceito de inferioridade, substituindo-o pela noção mais real e honesta de inadequação. O fracasso transforma-se assim na consciência de uma anormalidade, e é pela via de um mal-estar feminino em face de uma cultura que emana de uma posição de força e não de verdade, que a impessoalidade e a desumanização do progresso tecnológico e científico (paroxismos do génio masculino ) comparecem como réus no tribunal de uma nova consciência crítica.

Após uma iniciação dolorosamente artificial numa liberdade imitativa e cúmplice dos imperativos, excêntricos e agressivos para a natureza da mulher, o feminismo orienta-se finalmente para uma cultura subjectiva e vital que ganha cada vez mais terreno na nova inteligência revolucionária, anti-idealista e apocalítica. (...)

Só uma cultura vital, na qual a ideia não tenha uma vida própria e independente da existência, poderá dar vivacidade às energias latentes da pecularidade feminina. Só neste novo sistema de valores poderá expandir-se o génio feminino, criando modalidades culturais que imprimam um novo rumo ao progresso."

IN: BREVES HISTÓRIAS DA MULHER e outros escritos
De NATÁLIA CORREIA

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