SÓ UM NOVO SISTEMA DE VALORES...
(... )
"Perante o movimento acelerado e irrevogável da emancipação feminina, o homem que sempre concebeu a feminilidade projectivamente, de modo a satisfazer o seu ideal de compleitude, pergunta-se: Quem é realmente esse ser que se emancipa...(...)
A revolução feminina foi inicialmente prejudicada por um factor que afecta, no seu impulso, todos os levantamentos revolucionários: a tendência para a apropriação dos bens contra os quais se dirige a tensão revolucionária. É nesta idiossincrasia revolucionária, e não numa psicologia de imitação, que deve fundamentar-se aquela caracteristica facilmente criticável no movimento feminista. Isto é: a aspiração a usufruir uma herança cultural que foi sonegada ao lado feminino da Humanidade.
(...)
É certo que o feminismo, concebido como caricatura dos previlégios viris, foi uma traição feita à mulher. Traição porventura involuntariamente cometida pelos campeões do feminismo, que doutrinariamente ou legalmente lhe deram acesso a uma cultura vinculadamente masculina, na qual a produção feminina resultaria sempre inferior. Dessa rasteira de falsa promoção, que os paladinos do feminismo passaram à mulher, poder-se-á talvez dizer, em abono destes, que das suas boas intenções conscientes se fizeram obscuras aliadas às defesas inconscientes do varão. O resultado da emancipação feminina processada por essa via é elucidadtivo: quer na américa (...), quer na Rússia, (...), as máquinas da administração e da cultura são manejadas por homens, sendo a mulher o mero instrumento de uma sociedade rigorosamente orientada por critérios masculinos.
(...)
Mas se para a índole feminina, a sua participação numa cultura objectiva exclusivamente masculina, resulta um fracasso ao nível criador, esse fracasso é propriamente a denúncia de uma cultura que exclui a subjectividade ( característica feminina ) de uma grande parte dos indivíduos que são forçados a usufruí-la inadequadamente. O reconhecimento desta situação invalida imediatamente o conceito de inferioridade, substituindo-o pela noção mais real e honesta de inadequação. O fracasso transforma-se assim na consciência de uma anormalidade, e é pela via de um mal-estar feminino em face de uma cultura que emana de uma posição de força e não de verdade, que a impessoalidade e a desumanização do progresso tecnológico e científico (paroxismos do génio masculino ) comparecem como réus no tribunal de uma nova consciência crítica.
Após uma iniciação dolorosamente artificial numa liberdade imitativa e cúmplice dos imperativos, excêntricos e agressivos para a natureza da mulher, o feminismo orienta-se finalmente para uma cultura subjectiva e vital que ganha cada vez mais terreno na nova inteligência revolucionária, anti-idealista e apocalítica. (...)
Só uma cultura vital, na qual a ideia não tenha uma vida própria e independente da existência, poderá dar vivacidade às energias latentes da pecularidade feminina. Só neste novo sistema de valores poderá expandir-se o génio feminino, criando modalidades culturais que imprimam um novo rumo ao progresso."
IN: BREVES HISTÓRIAS DA MULHER e outros escritos
De NATÁLIA CORREIA
Sem comentários:
Enviar um comentário