O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

segunda-feira, fevereiro 22, 2021

A LUCIDEZ DO FILOSOFO Giorgio Agamben



Giorgio Agamben, filósofo:

"Pretendo chamar a atenção para a transformação que estamos a testemunhar, na vida social e política, em que um aparelho ideológico explicitamente totalitário opera através da instalação de um terror sanitário puro e simples, duma espécie de religião da saúde, transformando o estado de excepção numa prática cada vez mais normal, que, a continuar assim, acabará por liquidar a democracia parlamentar”.

“Limitou-se, sem motivo, o primeiro dos direitos do homem, o direito à verdade, através duma gigantesca operação de falsificação da verdade: fornecer os números sobre a epidemia de maneira genérica e sem nenhum critério científico, dando o número de mortos sem os comparar com a mortalidade anual no mesmo período e sem precisar a causa real da morte não faz sentido nenhum.”

“Para decidir aplicar medidas tão radicais de suspensão dos direitos fundamentais, as autoridades deveriam primeiro ter explicado ao povo, com uma exactidão extrema, todos os dados do problema e só depois, com controlo democrático, aplicar determinadas medidas cuja eficácia deveria ser monitorizada e avaliada diária publicamente.”
“Como foi possível que países inteiros tenham sucumbido, ética e politicamente, em face duma simples doença?”

“Criou-se intencionalmente uma gigantesca vaga de medo, causada pelo ser mais pequeno que existe, vaga de medo, essa, que as potências do mundo guiam e orientam, em função dos seus fins.
Assim, num círculo vicioso perverso, a limitação da liberdade imposta pelos governos é aceite em nome do desejo de segurança, desejo esse, criado pelos mesmos governos que agora intervêm para o satisfazer.”
“Uma das consequências ético-políticas não negligenciável, do estado de emergência é a abolição pura e simples do espaço público, uma vez que as medidas decretadas nos obrigam de facto a viver num estado de guerra. Mas uma guerra onde o inimigo é invisível e pode estar escondido em cada um dos outros seres humanos, é a mais absurda das guerras.”

“Em nome, não duma prova científica partilhada por todos os especialistas, mas dum fideísmo científico que, negando todas as fés religiosas, se apresenta como uma verdade absoluta que exige dos homens que não acreditem em mais nada a não ser na sua existência biológica pura (separada da vida afectiva, cultural e espiritual), a qual deve ser salva a qualquer preço, assistimos, nos últimos meses a um paradoxo que consiste em suspender a vida, para a proteger.”

“Como é possível aceitar que, em nome dum risco nunca especificado, pessoas que nos são queridas, e seres humanos em geral, morram sós e os seus corpos sejam incinerados sem funerais – coisa que nunca tinha acontecido, ao longo da História, desde Antígona até hoje.”
“Para instalar um estado de alarme generalizado e, em seguida um pânico colectivo, que tornou todos os demandos aceitáveis, foi necessário espalhar o terror sanitário através de um aparelho mediático unânime e sem falhas; e, deste modo, foi possível verificar que, em razão do medo da morte, as populações estão dispostas a aceitar limitações da sua liberdade que jamais tinham sonhado tolerar, nem durante as duas guerras mundiais, nem debaixo de ditaduras totalitárias. Tratou-se da mais longa suspensão da legalidade de que há memória sem que os representantes do povo tenham objectado o que quer que fosse.”

“Este período ficará na história do mundo como um dos períodos mais vergonhosos e os seus dirigentes e governantes como dos mais irresponsáveis e eticamente inescrupulosos.“

“Os poderes do mundo decidiram usar o pretexto duma pandemia – pouco importa se real ou simulada – para mudar de alto abaixo o paradigma da forma como governam os homens e as coisas.”
“A pandemia demonstrou sem sombra de dúvida que, para o poder, o cidadão se reduz à sua existência biológica.”
“Agora que os cidadãos não têm um direito à saúde mas são juridicamente obrigados à saúde assiste-se à implementação de um novo paradigma de biossegurança. Fica a dúvida se uma tal sociedade ainda se poderá definir como humana, ou se a perda das relações sensíveis, - dos rostos, das amizades, do amor - pode ser compensada por uma segurança sanitária abstracta e muito provavelmente, completamente fictícia.”

Giorgio Agamben


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