O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

domingo, fevereiro 21, 2021

A ALMA APRISIONADA



A ALMA APRISIONADA




"Aprisionada num corpo embriagado, a alma atordoada, sem absolvição nem o mapa que a levaria a Deus, permaneceu como um cão junto ao cadáver que esfriava no juncal.

Nestas condições, a alma fica cega e desamparada. Regressa teimosamente ao corpo, porque não conhece outro modo de existência. Ainda assim, sente saudade do país donde é proveniente, onde sempre estivera e de onde fora impelida para o mundo da matéria.. Lembra-se desse mundo e recorda-o, lamenta e anseia, mas não sabe como voltar para lá. É levada por ondas de desespero. E, nessas ocasiões, abandona o corpo já em decomposição e, por iniciativa própria, procura o caminho. Vagueia pelas encruzilhadas, pelos carreiros, tenta apanhar boleia nas estradas. Assume formas diferentes. Entra no interior dos objectos e dos animais, às vezes chega a entrar em pessoas inconscientes, mas já não consegue aquecer nenhum lugar.
No mundo da matéria é uma expatriada e no mundo dos espíritos também não é bem-vinda. Aliás, para entrar no mundo dos espíritos precisa de um mapa."


CRIAR - RECONCILIAÇÃO ENTRE A MATÉRIA E O ESPÍRITO

"Imaginar é, no fundo, criar, é lançar uma ponte de reconciliação entre a matéria e o espírito. Sobretudo quando é praticado com frequência e intensivamente. Nessas ocasiões, a imagem transforma-se em gota de matéria e junta-se aos fluxos da vida.
Às vezes, pelo caminho, distorce-se e muda. Por isso, todos os desejos humanos, caso sejam suficientemente fortes, se realizam.Todavia, nem sempre se realizam até ao fim, tal como esperado."

OLGA TOKARCZUK, in "Outrora e Outros Tempos"
Texto original polaco: 1992
1ªedição em português: Junho 2020, Cavalo de Ferro

1 comentário:

Vânia disse...

"Quem tem alma, não tem calma..."