A ALMA APRISIONADA
"Aprisionada num corpo embriagado, a alma atordoada, sem absolvição nem o mapa que a levaria a Deus, permaneceu como um cão junto ao cadáver que esfriava no juncal.
Nestas condições, a alma fica cega e desamparada. Regressa teimosamente ao corpo, porque não conhece outro modo de existência. Ainda assim, sente saudade do país donde é proveniente, onde sempre estivera e de onde fora impelida para o mundo da matéria.. Lembra-se desse mundo e recorda-o, lamenta e anseia, mas não sabe como voltar para lá. É levada por ondas de desespero. E, nessas ocasiões, abandona o corpo já em decomposição e, por iniciativa própria, procura o caminho. Vagueia pelas encruzilhadas, pelos carreiros, tenta apanhar boleia nas estradas. Assume formas diferentes. Entra no interior dos objectos e dos animais, às vezes chega a entrar em pessoas inconscientes, mas já não consegue aquecer nenhum lugar.
No mundo da matéria é uma expatriada e no mundo dos espíritos também não é bem-vinda. Aliás, para entrar no mundo dos espíritos precisa de um mapa."
CRIAR - RECONCILIAÇÃO ENTRE A MATÉRIA E O ESPÍRITO
"Imaginar é, no fundo, criar, é lançar uma ponte de reconciliação entre a matéria e o espírito. Sobretudo quando é praticado com frequência e intensivamente. Nessas ocasiões, a imagem transforma-se em gota de matéria e junta-se aos fluxos da vida.
Às vezes, pelo caminho, distorce-se e muda. Por isso, todos os desejos humanos, caso sejam suficientemente fortes, se realizam.Todavia, nem sempre se realizam até ao fim, tal como esperado."
OLGA TOKARCZUK, in "Outrora e Outros Tempos"
Texto original polaco: 1992
1ªedição em português: Junho 2020, Cavalo de Ferro
1 comentário:
"Quem tem alma, não tem calma..."
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