O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

quinta-feira, abril 13, 2023

Não continuem a calar-se como eu me calei...

ISABELA FIGUEIREDO - ESCRITORA



Considerações sobre assédio sexual

Afirmei recentemente, na entrevista ao Infinito Particular, que fui muitas vezes assediada sexualmente ao longo da vida, e algumas vezes por figuras públicas. Afirmei também que não revelaria os nomes dos envolvidos por não ser burra. Permitam-me "traduzir" esta palavra coloquial. Nos casos em que uma mulher denuncia um homem porque ele foi além dos limites, é costume ela ficar a perder. Não ele. Quase sempre. Eles acabam sempre como senhores e elas como putas.
O que escrevo a seguir não é verdadeiro, porque não conheci sequer a pessoa em questão, mas imaginem que eu revelava ter feito uma viagem intercontinental de avião, em contexto de trabalho, ao lado ao lado do falecido escritor David Mourão Ferreira, e que a certa altura tinha sentido que ele se roçava em mim. Ponto um: como poderia prová-lo só com a minha palavra? Ponto dois: em quem acreditariam? Em mim ou no emérito professor e escritor? Em que línguas de trapos andaria a minha declaração e o meu nome a partir daí? Quantos homens e mulheres me apoiariam? Que problemas com a justiça eu arranjaria? Tenho tempo e dinheiro para gastar em tribunais? Não, não, não. De maneira que não sou burra significa que não tenho tempo nem energia nem vontade de mexer naquilo que foi uma prática normalizada em todos os setores sociais e laborais e que também me afetou. Mas espero que alguém o faça. Alguém deste tempo. Não continuem a calar-se como eu me calei.
Muitas mulheres e homens se aproveitaram e aproveitam dos seus atrativos sexuais para conseguir postos, mas muitas mulheres e homens se veem envolvidos em situação desse teor que não desejam e não sabem como evitar devido ao status e poder de quem se insinua sexualmente. Não é apenas em Hollywood. É na Academia, sim. E em todo o lado.
Eu fui recentemente alvo de assédio moral sexualizado por parte de um escritor português vivo. Partilhei este assunto com quem de direito. Aconselharam-me a não responder, a deixar cair. Espero que o escritor em questão leia esta publicação. Não ouse voltar a dirigir-se a mim com o mesmo discurso, porque eu já não tenho 20 anos, caro senhor. E a admiração que tinha pelo seu trabalho evaporou-se. Devia engolir a vergonha do seu comportamento e essa vergonha deveria ser uma pedra com arestas.

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