O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

segunda-feira, abril 17, 2023

Não, este mundo não é de deuses nem de anjos...

DESCER AOS INFERNOS 
Uma visão pessoal e subjectiva da interioridade feminina...


A negação da dor como factor de conhecimento ou como sinal de alarme no sentido de algo a rever em termos da psique ou do corpo, é uma constante na vida das pessoas comuns que vivem à superfície alienadas de sentimentos e  em constante negação das suas dores, anestesiando-se com tudo para não pensar nem sentir. Curiosamente ainda ontem me apercebi - mais uma vez - como a nossa tendência é normalizar a dor ou mesmo escapar a ela, negando-a de muitas formas ou então camufla-la com ideias bonitas, seja com razões que as justificam, seja com o romantismo tão próprio das mulheres em crer no que não existe e tudo isso com uma mistura de medo e culpa que vem lá do fundo da psique e que é uma pele funda e ignorada por todas nós, porque primitiva...escondida, temida... São as primeiras dores, as que recalcamos, as dores de nascer, o pós nascer, o choro de abandono do corpo da mãe…a sua ausência, ou recusa em nos amamentar, perder esse fluido visceral de relação osmótica e amniótica com o ventre da mãe…e entrar no mundo através da dor, da privação, síndrome que nos nunca nos abandona…apenas esquecemos. Mas fica lá a marca…pois essa é uma única via para a alma que vem de lugares subtis ou sublimes encarnar e nada mais do que enfrentar o primeiro choque de realidades, que ao longo da vida nunca irá cessar… Mas vamos ser amestrados e formatados para viver em consonância com o programa da Igreja-Estado e o Sistema, que nos regista e marca com o sinal de besta. Nunca pensaríamos nisto, fomos desviados dessa dor e a crer nas história que nos contaram desde crianças, vamos esquecendo essas dores iniciais e adaptando-nos a esta vida ao longo das idades e no entanto esta dor está lá escondida, bem no fundo, messe primeiro registo da nossa existência ao nascermos para a 3ª dimensão, um lugar de exilio e dor onde o sofrimento é continuo e cujo escape a Humanidade inventou mil formas de aplacar ou atenuar a forma como fomos expelidos do corpo da Mãe… em busca desse elan inicial que lhe falta de um primeiro amor onde foi rejeitado…ou não, o amor entranhado da mãe. Tudo depende da forma como a mãe nos amou, abraçou e encostou no seu peito e nos deu o seu seio. Mas tudo isso nos foi roubado. Violentamente afastadas do colo e do seio da mãe…
Ora bem, esta viagem ao mais fundo do meu ser ao mais profundo da minha dor acontece sempre que me distraio e afasto tanto dela que preciso de dar um grito das profundeza e arrancar de mim um pranto para a recordar e me aliviar da tensão que é a tristeza que, como pano de fundo, domina o meu ser em profundidade; ela sempre esteve lá, por detrás do meu sorriso, da minha fugaz alegria, por detrás da minha crença ou desejo de verdade e justiça e marcadamente nos meus poemas…que me trouxeram esse choro e esse grito a flor da pele…Mas essa tristeza ela reside nessa pele seca da alma e do seu primeiro registo de vida, e no meu caso e que bem me lembro…mas penso que a maior parte dos seres e nomeadamente as mulheres tem isso, esse sentimento quase trágico de alienação de si mesmas. No meu caso sempre foi presente, além do mais eu nasci de 7 meses…foi um desastre para a minha alma impreparada para nascer neste mundo inóspito (sem a informação da historia de vida acabada entre o 8º e 9º mês no utero) e para mergulhar indefesa na confusão emocional dos meus pais (que provocaram o meu nascimento com uma discussão de casal e de traição-amor…infidelidade!).
Não, este mundo onde nascemos e que vemos belo e perfeito na aparência, é cruel e perigoso e por detrás de tudo há um perigo…a violência humana que começa na parental…e a da natureza, uma simples vespa que te pica, ou um crocodilo que te come uma perna, e mesmo por detrás de cada árvore ou planta há uma serpente e de cada rosa, a flor mais bela, há um espinho e cada animal, o mais inocente, tem um predador que o persegue e mata para comer…e os homens tem a guerra e o crime, as paixões por coisas de nada…
Não, este mundo não é de deuses nem de anjos, é de predadores em que os deuses são inclementes, e as forças da natureza implacáveis e podem destruir tudo num ápice e assim o mar e o ceu…mas nós fomos forçados a acreditar num mundo que não existe, a fugir ao absurdo de viver no medo, criando cidades monstruosas, lugares fictícios, paraísos perdidos e por ultimo tecnologia que nada humaniza…fomos forçados a acreditar num mundo falso supostamente justo, de luta entre o bem e o mal e dai buscando mil formas de tapar a realidade que nos assustava em criança e o medo da crueldade humana e animal e acabamos por construir um mundo artificial onde pudéssemos viver…mas as guerras e os ódios e as lutas por tudo e por nada nunca abandonou a espécie humana, mas nós continuamos a buscar formas de nos anestesiar dor de viver…e a inventar mundos que não existem deuses que nada fazem e tudo para fugir a realidade e ao choque de realidade que e a nossa vida toda desde o nascimento até morrer.
Tudo isto que senti e vivi na minha pele …para vos introduzir a ideia de como este desvio da natureza humana acontece no “processo de construção do ego edipiano” (o complexo de Édipo aflorado e mal por Freud) e como ele começa na anulação e “devastação da mulher e se converte numa devastação da criatura, e que a devastação da criatura, em particular, a robotização da extero-gestação convertendo-se na devastação da sexualidade básica do grupo humano por inteiro.
Na criatura humana, dá-se, em vez de uma expansão da vida, uma mutilação da sua capacidade anímica, da sua vitalidade (o refoulement* do seus desejos primais), e assim a deterioração da sua capacidade de amar; é um processo de encolhimento e de encouraçamento do ser, através de uma progressiva submissão aos pais e às normas; seguidos de outras reações de sobrevivência que irão configurando e fixando esse tanque blindado que é o ‘ego’, e que é ‘o meio de transporte’ com o que a criatura aprenderá a mover-se no entorno devastado.
A criatura sobrevive entre o vazio da falta de reconhecimento e de reciprocidade, entre o ir apagando continuamente os impulsos que saem de dentro de si, e em ir aceitando-se como um ser submisso à autoridade. Isso é uma mudança no desenvolvimento da psique, que estava a ser formada segundo o principio do prazer, quer dizer, por aquilo que a sua sensibilidade percebia como agradável e prazeroso (quando estava no útero da mãe). De repente essa dinâmica criativa já não é possível, não pode seguir esse impulso nem perceber o bem-estar que a guiava porque falta a mãe e o grupo humano no qual isso seria possível. Psiquicamente produz-se a falha e o bloqueio do desenvolvimento da nossa capacidade de amar, porque rompe-se a confiança em que existe o entorno - e além disso rompe-se como um susto mortal-, e já a existência não é tomada como algo certo.” *
 
E começa ai o calvário ou a encruzilhada de cada individuo em busca de si mesmo…mas note-se que esse sofrimento começa com a anulação a mulher e a repressão da maternidade e a ligação da mãe a criança. 
rlp


NOTA
O que é o Refoulement:

"Mas em todo esse processo há algo mais. Algo imprescindível para que uma mulher ‘refoule’(reprima e guarde lá no fundo da sua psique bem esquecida*) o desejo feminino-materno, além da sua sublimação, da sua desfiguração e da sua desonra. Algo que não está nem no inconsciente nem na lei nem nas instituições da família e do Estado. Algo que está dentro de nossos corpos e que seria inseparável do desejo, porém que agora está separado dele: o útero. As meninas crescem na supressão da sexualidade maternal e básica e tornam-se mulheres com o útero rígido, não obstante se as meninas virassem mulheres com um útero vivo e palpitante de desejo, não poderiam enganar-nos, nem desfigurar o sentido desse desejo, nem para nosso consciente nem para nosso inconsciente.
Para compreender como a sexualidade feminina pôde ser enviada ao Hades e ao Inferno e desaparecer do mapa, há que entender, também, o que o útero é e como funciona; ou seja, entender a fisiologia do centro de nosso esqueleto erógeno. Porque a repressão do impulso vital do desejo da criatura, está imediatamente associada a essa sexualidade feminina que segundo Freud étão difícil de devolver à vida. Pois depois de tudo, se calhar poderia ser que não fosse tão difícil. Porque ainda que a constituição edipiana da psique tenha feito desaparecer a sexualidade feminina golpeada por 5 milénios de cultura genocida, o útero permanece, rígido e cristalizado, funcionando a meia e muitas vezes dolorosamente, mas não atrofiado. O triunfo definitivo do Patriarcado seria conseguir um corpo feminino com o útero completamente atrofiado, o que significava que teriam conseguido, entre outras coisas, a gestação in vitro. Entender o útero é portanto imprescindível também para alertar sobre o que está escondido atrás das chamadas Novas Técnicas Reprodutivas.”*

in Cassilda Rodrigánez Bustos - O assalto ao Hades

2 comentários:

Anónimo disse...

Ao ler isto me traz um estranho conforto. A pouco passei uma das semanas mais devastadoras e que me liberaram de um pânico enorme, do qual a origem descobri ser fruto de uma violência, antes de eu vir para este mundo e mesmo assim vim. Uma dor profunda antes mesmo de ser uma célula, e apesar de tudo agora compreendo a difícil relação com minha mãe. Mas mesmo com medo cheguei a acessar essa dor, que marca o início da minha existência. Sim tive dores terríveis no útero, hoje as sinto menos. Eu só consigo pensar como viver tanto tempo com um abusador, apoiado pela própria mãe que devia proteger uma filha e fez ao contrário? Hoje sou o fim desta história, e entendo a prova de fogo que Lilith vem me colocando nestes últimos años...estou aliviada, mas são tantas partes quebradas.

Vânia disse...

Ter a dignidade de volta é um grande alívio para mim, mas não me basta. A verdade está com as autoridades. Aliviada fico somente quando cada pedófilo predador sexual médicos que me negligenciaram e os q passam atestados de bipolaridade e esquizofrenia aos meus familiares estiverem detidos. Ao médicos não me basta ficar sem exercer.. já não tenho nada a perder estou cega e desejo muitos anos de cadeia e q cada um na prisão recebam muito do q me fizeram da infância á idade adulta. A minha parte já fiz mas sinceramente cheguei de todo. Não podem haver médicos assim a exercer medicina nem tampouco a lavar escadas. Não tenho mais afectos por absolutamente ninguém. Não não me tornei amarga, é tudo uma questão de justiça. Eu sei Rosa q não me devia sentir assim ou não deveria ter este foco mas sou humana e quero q apodreçam todos na cadeia. Odeio a minha família de sangue com todas as minhas forças.