Foi como Mãe que a mulher se tornou ameaçadora; é na maternidade que ela deve ser transfigurada, domesticada
Simone de Beauvoir, O Segundo Sexo.
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"Apesar de não se conhecer quando a espécie humana descobriu o papel do homem na procriação, foi essa consciência que fez surgir no homem a necessidade de controlar a fecundidade da mulher e sobretudo a legitimidade do 'produto final' que seria o herdeiro da terra, agora também já tornada propriedade do homem. A ansiedade provocada pela incerteza da paternidade deu origem à inúmeras estratégias formuladas para minimizá-la. Para Rosseau, "o homem deveria ser capaz de controlar a conduta de sua esposa, porque é importante para ele assegurar-se que suas crianças, as quais ele é obrigado a reconhecer e manter, pertençam a ninguém mais senão a ele". (Agonito,p.119 - itálico meu)). O filósofo e historiador escocês David Hume também reconhecia este aspecto problemático da identificação da paternidade; entendendo que o contrato de casamento não bastaria para garantir a paternidade real, Hume explica que se tornava então necessário - segundo ele, não com base na justiça, mas na utilidade dessa necessidade, desenvolver na mulher não apenas o desejo de ter filhos mas ao mesmo tempo tornar o sexo algo repulsivo para elas.Conforme podemos verificar no livro da Rosemary Agonito History of Ideas on Woman, além dos pensadores brevemente mencionados acima, muitos outros se dedicaram a essa 'Cruzada' para a construção da imagem da esposa/mãe virtuosa, num articulado reforço do culto mariano introduzido pelo cristianismo; dentre esses, ela salienta as idéias de Hegel, Kant, Kierkegaard, Schopenhauer, Emerson, entre outros. Até mesmo a teoria científica de Darwin, que provocou uma salutar minimização da tradição bíblica, utiliza argumentação científica para dar suporte à noção de inferioridade da fêmea como conseqüência de sua capacidade reprodutora. Infelizmente não podemos expandir no espaço deste trabalho os inúmeros e complexos os mecanismos de construção e evolução dessa ideologia que resultou em controle naturalmente aceito pelo próprio oprimido, quando a mulher assimila seu status secundário.
Apenas para ilustrar esse processo de silenciamento da problemática da maternidade, lembraríamos brevemente como ela ocorre na concepção do comunismo, um dos pilares estruturadores da sociedade moderna; Marx exclui o trabalho reprodutivo da mulher de sua análise sobre produtividade; o marxismo deixa de lado questões ligadas ao sexo e à família pois são assuntos que os teóricos consideram privados e portanto não se encaixam em sua teoria da reprodução; as marxistas feministas tentaram combinar a reprodução biológica com o conceito de reprodução de Marx - já que a mulher "reproduz" os "meios de produção"; entretanto, não conseguiram escapar da universal mística ilusória da maternidade que mantinha as mulheres no lar."
(excertos)
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Cristina M. T. Stevens
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