TRANSCENDER O EGO...
Justamente
porque o ego, a alma e o Eu (Self) podem estar presentes ao mesmo tempo, não
será difícil entender o sentido verdadeiro de "ausência do ego" -
expressão que tem causado imensa confusão. Ausência do ego não significa a
ausência de um eu (self) funcional (o que seria próprio de um psicótico e não
de um sábio); significa que não estamos mais exclusivamente identificados com
aquele eu.
Em outras palavras, o homem típico espera que
o sábio espiritual seja "menos que uma pessoa", de alguma forma
liberto dos impulsos confusos, difusos, complexos, pulsantes, compulsivos, que
guiam a maior parte dos seres humanos. Esperamos que os nossos sábios sejam a
ausência de tudo o que nos impulsiona. Queremos que não sejam sequer tocados
por todas essas coisas que nos atemorizam, que nos confundem, que nos atormentam,
que nos atordoam. É a essa ausência, a essa falta, a esse "menos que uma
pessoa" que, frequentemente, chamamos "sem ego".
Esses
grandes mobilizadores e agentes de mundana não foram egos pequenos; foram, na
mais completa acepção do termo, grandes egos, justamente porque o ego (veículo
funcional do domínio da mente) pode existir e de fato existe com a alma
(veículo do sútil) e o Eu (veículo do causal). Na mesma medida em que esses
grandes mestres mobilizaram o domínio da mente, eles mobilizaram o próprio
ego, porque o ego é o veículo desse reino. Entretanto, não se identificavam
meramente com seu ego (isso seria narcisismo); simplesmente perceberam seu ego
conectado a uma fonte cósmica radiante. Os grandes iogues, santos e sábios
conseguiram tanto, exactamente porque não foram temidos bajuladores, mas
grandes egos ligados ao seu Eu superior, animados pelo puro Batman (o puro Eu -
eu) que são um com Brahma; abriram a boca e o mundo estremeceu, caiu de joelhos
e pode ver face a face o Deus radioso.
Santa Teresa
não foi uma grande contemplativa? Sim, e Santa Teresa foi a Única mulher que
reformou uma tradição monástica inteira (pensemos nisso). Gautama Buda sacudiu
a Índia nos seus
fundamentos. Rumi, Plotino, Bodhidharma, Lady Tsogyal, Lao Tsé, Platão, o Baal
Shem Tov - estes homens e mulheres deram início a revoluções no mundo que
duraram centenas, às vezes milhares de anos - coisa que nem Marx, nem Lenine,
nem Locke, nem Jefferson, poderiam afirmar ter conseguido. E não agiram assim
porque estivessem mortos do pescoção para baixo. Não, eles eram
fantasticamente, divinamente grandes egos, ligados profundamente ao psíquico,
que estava directamente ligado a Deus.
Grosseiramente, podemos dizer que o ego não é
uma obstrução ao Esprito, mas uma radiosa manifestação do Esprito. Todas as
Formas não são senão o Vazio, inclusive a forma do próprio ego. Não é
necessário livrar-se do ego, mas, simplesmente, vivê-lo com certa intensidade.
Quando a identificação transborda do ego no Cosmos em geral, o ego descobre que
o Atman individual é, de fato, da mesma espécie de Brahman. O Eu superior não
é, em verdade, um pequeno ego, e, assim, no caso de estarmos presos ao nosso
pequeno ego, a morte e a transcendência são necessárias. Os narcisistas são,
simplesmente, pessoas cujos egos não são ainda suficientemente grandes para
abraçar o Cosmos inteiro e, para compensar, tentam tornar-se o próprio centro
do Cosmos.
Não queremos que os nossos sábios tenham grandes
egos; nem sequer desejamos que exibam qualquer característica evidente. Sempre que
um sábio se mostra humano - a respeito de dinheiro, comida, sexo,
relacionamentos - sentimo-nos chocados, porque estamos planejando fugir
inteiramente da vida, e o sábio que vive a vida nos ofende. Queremos estar
fora, queremos ascender, queremos escapar, e o sábio que assume a vida com
prazer, vive-a totalmente, pega cada onda da vida e surfa nela até o fim - nos
perturba e nos assusta intensamente, profundamente, porque significa que não,
também, devêramos assumir a vida com prazer, em todos os níveis, e não
simplesmente fugir dela numa nuvem etérea, luminosa. Não queremos que nossos
sábios tenham corpo, ego, impulsos, vitalidade, sexo, dinheiro, relacionamentos
ou vida, porque essas são coisas que habitualmente nos torturam e queremos
vá-las longe de nós. Não queremos surfar as ondas da vida, queremos que as
ondas desaparecerem. Queremos uma espiritualidade feita de fumaça.
O sábio completo, o sábio não-dual está aqui
para mostrar-nos o contrário. Geralmente conhecidos como "tântricos",
estes sábios insistem em transcender a vida, vivendo-a. Insistem em procurar
libertação no envolvimento, encontrando o nirvana no meio do ciclo contínuo de
nascimento e morte. Samsara, encontrando a libertação total pela completa
imersão. Passam com consciência pelos nove círculos do inferno, certos de que
em nenhum outro lugar encontrarão os nove círculos do cau. Nada lhes é estranho
porque nada existe que não seja Um Sabor.
Na verdade, o segredo consiste em estar
inteiramente à vontade no corpo e com seus desejos, com a mente e suas ideias,
com o esprito e sua luz. Assumi-los inteiramente, plenamente, simultaneamente,
uma vez que todos são igualmente manifestações do Um e unico Sabor. Vivenciar a
paixão e vá-la funcionar; penetrar nas ideias e acompanhar seu brilho; ser
absorvido pelo Esprito e despertar para a glória que o tempo esqueceu de
nomear. Corpo, mente e esprito, totalmente contidos, igualmente contidos, na
consciência eterna que é a essência de todo o espectáculo.
Na quietude
da noite, a Deusa sussurra. Na luminosidade do dia, Deus amado brada. A vida
pulsa, a mente imagina, as emoções ondulam, os pensamentos vagam. O que são
todas estas coisas senão movimentos sem fim do Um Sabor, eternamente jogando
com suas próprias manifestações, sussurrando mansamente a quem quiser ouvir:
isto não é você mesmo? Quando o trovão
ruge, você não ouve o seu Eu? Quando irrompe o raio, você não é o seu Eu? Quando
as nuvens deslizam mansamente no céu, não é o seu póprio Ser ilimitado que está
acenando para você?
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