"PRÓXIMO É AQUELE QUE SOFRE
E DE QUEM NÓS NÃO TEMOS PIEDADE"
Y.K. Centeno
A ODISSEIA DO RANCOR...
AINDA CIORAN
Para que possamos manter a fé em nós mesmos e em outrem, e para que não nos apercebamos do carácter ilusório, da nulidade de toda e qualquer acção, a natureza tornou-nos opacos a nós próprios, sujeitos a uma cegueira que dá o mundo ao mundo e o que o governa. Se empreendêssemos uma indagação exaustiva sobre nos próprios, a repulsa paralisar-nos-ia e condernar-nos-ia a uma existência sem rendimento. A incompatibilidade entre o acto e o conhecimento de si parece ter escapado a Sócrates; sem o que, na qualidade de pedagogo, de cúmplice do homem, não saberiamos se teria ousado adoptar a divisa do oráculo, com todos os abismos da renúncia que ela supõe e nos convida.
Enquanto possuímos uma vontade própria e lhe permanecemos apegados (tal é a acusação endereçada a Lucífer), a vingança é um imperativo, uma necessidade orgânica que define o universo da diversidade, do "eu", e que não poderia ter fosse que sentido fosse de identidade. Se fosse verdade que "é no Uno que respiramos" (Plotino), de quem nos vingaríamos aí onde toda a diferença se esbate, onde comungamos no indiscernível e perdemos os nossos contornos?
De facto respiramos no múltiplo; o nosso reino é o do "eu", e não há salvação através do "eu". Existir é condescender com a sensação, e portanto com a afirmação de si; de onde o não-saber (com a sua consequência directa: a vingança), princípio de fantasmagoria, origem da nossa peregrinação na terra.
Quanto mais procuramos arrancar-nos ao noso eu, mais mergulhamos nele. Bem podemos tentar fazê-lo explodir, no próprio momento em que julgamos ter conseguido, ei-lo que nos surge mais seguro do que nunca; tudo o que empreendemos para o arruinar só serve para aumentar a sua força e a sua solidez, e tais são o seu vigor e a sua perversidade que ele se dilata ainda mais no sobrimento do que na fruiçãoÉ assim com os o eu, é assim, por maioria de razão com os actos."
in HISTÓRIA E UTOPIA
Emile Cioran
O SORRISO DE PANDORA
“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja.
Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto.
Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado
Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “
In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam
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