UMA COISA QUE AS FEMINISTAS NÃO QUEREM VER e as mulheres comuns nem percebem...
«Creio que a maior parte daquilo que chamam hoje de “igualdade” é, na verdade, meritocracia. Entendem o problema da discriminação como uma infrarrepresentação das mulheres no topo e que é necessário eliminar essa desigualdade para que as mulheres possam crescer de acordo ao seu talento, em relação aso seus méritos. Isso deixa totalmente intacta a estrutura hierárquica e não beneficia os 99% das mulheres, apenas o 1%, ou as que pertencem aos 10% mais ricos da sociedade. Ou seja, a classe diretora profissional.
Essas mulheres só podem ter sucesso no que fazem se contratam outras mulheres com salários muito baixos e em trabalhos muito precários, mulheres migrantes pobres de outras raças que limpam suas casas, cuidam dos seus filhos, ou atendem os seus pais anciãos em residências da terceira idade. Em outras palavras: há uma relação direta entre esta noção de igualdade e o aumento da desigualdade. É uma ideia de igualdade de classe que diz que as mulheres devem ser iguales aos homens de sua mesma classe, e não importa as demais desigualdades. Definitivamente, o feminismo liberal faz com que seja necessário redefinir uma nova ideia de igualdade.» Nancy Fraser
in ENTREVISTA DO PUBLICO A NANCY FRASER
(excerto)
Público: O que o é feminismo dos 99% e quais são suas principais ideias?
Nancy Fraser: é uma tentativa de dar nome e um conjunto de ideias a um novo ativismo feminista, que está se desenvolvendo nos últimos anos, e que acreditamos que representa uma alternativa real ao tipo de feminismo que tem sido o predominante, ao menos nos Estados Unidos, no Reino Unido e na França, além de alguns outros países – não estou certa de se na Espanha também. Até há pouco tempos atrás, esses países foram testemunhas de um tipo de feminismo liberal, centrado principalmente nas preocupações das mulheres de classe média alta ou das mulheres dos 10% mais altos da sociedade. São elas as que se beneficiam desse tipo de feminismo, e encontraram seu caminho para prosperar na hierarquia empresarial.
Eu diria que isso deu ao feminismo um nome negativo, porque o associou com o elitismo, o individualismo, o consumismo… A ideia de que as feministas são mulheres de carreira que fizeram suas vidas sozinhas. Não sei se é totalmente assim, mas é desta forma que a grande maioria das mulheres da classe trabalhadora enxergam a questão. Pessoas que observam o presente não como um momento de crescimento, mas sim o contrário, um tempo no qual as condições de vida estão em declínio, com perda de empregos estáveis, com redução dos salários. Enfim, um montão de caos na vida.
Creio que este feminismo liberal perdeu sua credibilidade. Do ponto de vista dos Estados Unidos, a derrota de Hillary Clinton nas eleições de 2016 para Donald Trump foi como um alarme para despertar, porque as cifras indicam que 52% das mulheres brancas votaram por Trump.
É uma estatística surpreendente. Mostrou que o feminismo corporativo de Clinton não era um feminismo para todas as mulheres. Agora, temos este novo tipo de ativismo, que é o ativismo anti austeridade, que defende padrões de vida de uma forma mais ampla, que se interessa pelos direitos dos migrantes, sobre a situação das mulheres trabalhadoras, das mulheres negras… quando escrevemos o manifesto para o feminismo dos 99% queríamos promover essa guinada do feminismo. Um conceito longe do liberalismo individualista e mais próximo das preocupações da grande maioria das mulheres, e também dos homens.
Nosso manifesto dá nome a este movimento e tenta articular o pensamento que o pode transformar em um movimento radical, genuinamente transformador e anti sistema.
Público: E é possível construir isso dentro de um sistema capitalista ou será preciso construir um novo sistema?
Fraser: Definitivamente necessitamos um novo sistema de algum tipo. O atual sistema de capitalismo liberal financeiro está em uma crise aguda e necessita mudanças estruturais muito profundas: em nossa relação com a natureza, uma mudança na relação entre produção e reprodução, entre o trabalho assalariado e a vida familiar… uma mudança no sistema democrático.
Ainda é cedo para dizer se esta é uma transformação poderia nos levará para um sistema que supere o capitalismo. Tampouco sabemos se existe uma forma de capitalismo que possa responder adequadamente a esta crise aguda. Não acho que devamos responder essa pergunta agora, mas minha vontade é a de que sim, pois acho que precisamos nos mobilizar por algo que vá além do capitalismo.
(…)
in publico
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