AMIZADES E AMIGOS…
Quando "o corpo está separado da noção"...
(…)
Nós não temos uma capacidade infinita de criar amigos. No nosso conceito, ainda hoje, um amigo é uma coisa. Neste momento, a noção de amigo amplificou-se infinitamente e transforma-se em nada, esvazia-se. Portanto, esvazia-se, e o vazio há-de dar lugar a uma outra coisa, mas essa outra coisa é fictícia, não existe. Nós não temos capacidade de ter o número de relações que nos são dadas hoje.
- Estamos a falar da tecnologia.
- E cavalga a onda como se fosse uma coisa boa, se calhar.
- Que parecem próximas.
Que parecem próximas, que são avassaladoras e que não são geríveis. Que não são geríveis pela nossa formação mental, intelectual. Eu acho que as pessoas estão todas num estado de vertigem provocado por essa, eu diria disrupção, mas é mais do que isso, é um desmembramento e é uma alucinação coletiva que se está a viver. O que não significa que não seja esse o caminho, mas o nosso corpo não tem esse caminho. Um dia provavelmente o nosso corpo estará transformado, teremos grandes dedos pelo desenvolvimento do trabalho de mãos que estamos sistematicamente a fazer, teremos com certeza uma cabeça muito maior porque a atividade cerebral neurológica é muito maior, e um corpinho mais pequenino. Portanto, seremos semelhantes à imagem dos extraterrestes. Provavelmente isto vai acontecer porque as pessoas cada vez usam menos o corpo. Neste momento estamos naquele absurdo que é não usar o corpo para as coisas elementares, para a locomoção. A pessoa não caminha, mas depois ainda se apercebe que tem que muscular e então vai para o ginásio fechado, para as máquinas, em vez de pura e simplesmente caminhar. Estamos ainda nesse diálogo. Provavelmente esse diálogo vai acabar, esse tipo de preocupação, e vamos deixar que as pernas se atrofiem porque as pernas não vão mais ser usadas. Mas essa transformação levará anos, provavelmente séculos, e estamos divididos, estamos puxados por coisas que não sabemos gerir.
- E como é que a Hélia pessoalmente lida com este momento que estamos a viver?
Eu digo sempre aos meus amiguinhos: "ainda estamos no poder, ainda temos botões para desligar." E um dos meus pesadelos recorrentes é justamente o botão não funcionar. Pesadelo real, pesadelo de sonho.
- Estar sempre ligada.
É querer desligar o botão e não conseguir. O elevador, o televisor, seja o que for, ganha autonomia e deixa de ser possível desligar. Eu não uso redes sociais justamente por isso, porque não quero ser invadida por informação, por pessoas, por multidões, por textos, por imagens que não fui eu que escolhi ter, não sou eu que procuro. Adoro a tecnologia, resolvo os problemas informáticos de toda a gente à minha volta. É verdade, sou uma técnica informática com provas dadas. (risos) Portanto, não é aquela coisa de recusar a tecnologia. Gosto muito de máquinas, de dialogar e discutir com as máquinas, mas ainda sou eu que tenho o controlo. Portanto, ninguém entra na minha mente sem o meu consentimento.
- Mas se estivesse nas redes sociais, para dar o seu exemplo, a Hélia é que escolheria quem estaria na sua rede social, logo a informação seria limitada a essas pessoas, 10 ou 20 pessoas, as que entendesse.
Mas eu não quero essa gente toda...
(…)Excerto de entrevista a Helia Correia
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