O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

quarta-feira, outubro 09, 2019

AS MULHERES SÃO SERVAS DO SISTEMA



A CRIAÇÂO DO PATRIARCADO E A IMPORTÂNCIA DA HISTÓRIA DAS MULHERES

"O sistema patriarcal só funciona com a cooperação das mulheres.
 E por isso que é tão fundamental conhecer a nossa história, a história das mulheres."

"Lerner explica que o patriarcado é uma criação histórica formada por homens e mulheres num processo que durou 2,500 anos até ficar completo. Por ter um início na história e por não ser natural (baseado no determinismo biológico), pode ser derrubado. A unidade básica era (e é) a família patriarcal, que impõe e gera regras e valores.

Lerner aponta que o controle dos chefes de família homens sobre suas mulheres e filhos menores era tão importante para a existência do Estado quanto o controle do rei sobre seus soldados. Afinal, “A família não apenas espelha a ordem do Estado e educa suas crianças a segui-la, como também cria e constantemente reforça essa ordem.


Lerner ressalta que o sistema patriarcal só funciona com a cooperação das mulheres, que é adquirida através da doutrinação, da privação da educação, da negação das mulheres sobre sua história, da divisão das mulheres entre respeitáveis e não respeitáveis (sempre relacionada à condição sexual, a ser ou não ser propriedade de um homem), da coerção, da discriminação no acesso a recursos econômicos e poder político, e da recompensa de privilégios de classe dada às mulheres que se conformam.

Uma das funções da história é preservar o passado coletivo e reinterpretá-lo para o presente. Aprendemos o passado também para poder evitar erros. Mas às mulheres é negado um passado. A própria Simone de Beauvoir, sempre uma referência indispensável, disse que as mulheres não têm passado, não têm história. Mas a história das mulheres só passou a ser escavada e descoberta no século 20. Até o século 19, toda a história era para as mulheres pré-história, diz Lerner. Mas aprendemos que mulheres sempre criaram, sempre foram agentes da história e da civilização.
Lerner desenvolve as seguintes proposições brilhantes no livro (cada uma vale um capítulo): 


1) a apropriação pelos homens da capacidade sexual e reprodutiva das mulheres ocorreu antes da formação da propriedade privada e sociedade de classes. A mercantilização das mulheres é a fundação da propriedade privada. 

2) Os estados arcaicos eram organizados na forma do patriarcado, ou seja, desde o início o Estado tinha interesse na manutenção da família patriarcal.

3) Homens aprenderam a exercer dominação e hierarquia sobre outras pessoas praticando com as mulheres do seu próprio grupo. A escravização começou com mulheres sendo escravizadas (Lerner faz uma distinção entre escravos e escravas: homens escravos eram explorados para o trabalho. Já as mulheres escravas eram exploradas para o trabalho, para serviços sexuais e para reprodução. Não é comum escravos homens serem estuprados. Mas, entre escravas, é a regra).

4) A subordinação sexual das mulheres foi institucionalizada já nos primeiros códigos penais. A cooperação das mulheres com o sistema era assegurada através da força, da dependência econômica no chefe homem da família, dos privilégios de classe dados a mulheres conformadas e dependentes das classes altas, e da divisão artificialmente criada entre mulheres respeitáveis e não respeitáveis.

5) Classe para os homens era e é baseada na sua relação com os meios de produção (quem tem os meios pode dominar os que não têm). Para mulheres, classe é mediada de acordo com seus laços com um homem, que pode dar-lhe acesso a recursos materiais. Mulheres respeitáveis são aquelas ligadas a um homem.


6) O poder feminino em dar vida é idolatrado por homens e mulheres (através de deusas) mesmo depois das mulheres estarem subordinadas aos homens.

7) As deusas poderosas são destronadas e substituídas por um deus masculino dominante após um estabelecimento de um forte reinado imperialista. Sexualidade e procriação são separadas para cada função, e a mãe-deusa é transformada na esposa ou amante do chefe masculino.

8) A emergência do monoteísmo hebreu vira um ataque a cultos de várias deusas da fertilidade. Criatividade e procriação são atribuídos a um deus todo poderoso, chamado de “senhor” e “rei”, ou seja, homem, e a sexualidade feminina que não for para procriar fica associada ao pecado e ao mal.

9) O único acesso das mulheres a Deus passa a ser na sua função de mãe.

10) Esta desvalorização simbólica das mulheres em relação ao divino se torna uma das metáforas marcantes da civilização ocidental. A outra metáfora é dada pela filosofia de Aristóteles, que assume que mulheres são incompletas e defeituosas, uma espécie diferente da do homem. É através dessas duas construções metafóricas que a subordinação das mulheres passa a ser vista como natural, ou seja, invisível. É isso que estabelece o patriarcado como uma ideologia.


E por isso que é tão fundamental conhecer a nossa história, a história das mulheres. Como diz Lerner, a negação das mulheres à uma história reforça sua aceitação à ideologia do patriarcado e detona a autoestima individual de cada mulher. Tanto é assim que várias feministas americanas fazem um trocadilho com history (his story, a história dele, a história contada pelos vencedores) e preferem adotar o termo herstory. "
A

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