O LIVRO: LILITH A MULHER PRIMORDIAL
"Lilith representa na minha vida o fim de um ciclo, o término do caminho onde eu finalmente uni os pontos. Sempre soube que havia algo que me escapava, um sentido que eu apenas aflorava mas não adentrava, talvez por não estar ainda preparada para abrir a arca dos meus fantasmas de vidas inteiras. Abri-la sem preparação seria ficar sob o comando da revolta e do ódio, uma vez mais, mas abri-la neste momento do meu processo foi conquistar o domínio sobre esse ódio e essa revolta que em tempos me conduziram ao abismo da negação. Eu que nunca tive ajuda para absolutamente nada, de repente, ao ler Lilith, senti que alguém tinha caminhado por mim, senti que estava a ser-me dada a chave da minha própria obra alquimica. Esta noite sonhei com a Lilith, na forma do livro, e quem o segurava era o meu pai. Para mim, esta metáfora simboliza o meu triunfo sobre o arquétipo paterno, finalmente subjugado pelo poder da palavra e da compreensão. Senti que finalmente eu tinha conseguido fazer passar a minha mensagem, não ao meu pai biológico, que esse é mera representação física de um aspecto arcaico, mas ao meu pai psicológico, aquele que vive nas minhas falsas crenças moldadas ao longo de milénios por uma história patriarcal. A minha relação com este livro é muito pessoal, nem sei se outros terão lido o mesmo livro que eu. Bem sabemos que nada é igual, que ninguém recebe a mensagem da mesma maneira, mas o que quero dizer vai para além disso. Esta obra faz parte da minha memória antiga, ainda que só agora tenha sido publicado, este livro já existia de algum modo no meu sentir. É como no meu sonho dos livros que nunca foram escritos mas que já existiam há muito. Duvido da consistência disto a que chamamos realidade, para mim a vida é só um recordar de algo mais antigo. Lilith sempre esteve presente de muitas formas, ela é intemporal, o seu mito é futurista, ourobórico, o que foi, assim voltará a ser. A libertação é já uma realidade porque nunca deixou de ser uma possibilidade. Eu acredito num mundo matriarcal que escapa aos sentidos físicos, e é para ele que nos movemos. O patriarcado dilui-se para todos os que quiserem partir para um mundo novo.
Completando o que disse no meu comentário sobre livro, aquela ansiedade que eu vivi nas semanas pré covid e aquela sensação de poder vir a perder o acesso ao livro, eram muitas vezes questionadas pelo meu lado racional que me dizia "como podes estar a reagir assim a um livro que não conheces? Sabes lá se vais gostar, já leste tantos na tua vida, este é só mais um!", mas o meu lado intuitivo respondia com sintomas físicos, o coração acelerava cada vez que na livraria me respondiam que ainda não tinham chegado os livros da zefiro, ou quando vi a livraria de portas fechadas! Havia uma ampulheta no meu espírito que contava cada grão de tempo que me escapava. E quando finalmente tive o livro nas mãos e o li, reconheci o seu conteúdo, era como se já o tivesse lido e precisasse com urgência de o recordar antes que o cerco se fechasse. Não é fácil explicar isto, mas eu não vejo o tempo de uma forma linear (só mesmo fora de uma universidade me atreveria a dizer isto!). Só houve até hoje um outro livro com o qual tive também uma relação estranha. Certo dia vi umas imagens de um filme que estava a dar na televisão e fiquei como que hipnotizada, mas não consegui ver até ao fim e nem saber o título do filme, porque tive de ir apanhar o autocarro para a escola. Tinha eu 16 anos. Mas saí de casa com urgência em ler Os Miseráveis de Victor Hugo, sabendo eu quase nada a respeito desta obra. Quando li o livro uns meses mais tarde, reconheci as cenas do filme, e só anos depois reencontrei o filme e soube que se tratava de facto de Os Miseráveis. Podemos assumir que neste caso eu já teria lido esta obra numa vida anterior, mas como explicar o que senti com Lilith senão através dos mundos quânticos? Ou toda a nossa vida não será mais do que um recordar? Escrevi certa vez "passado, presente e futuro caminham de mãos dadas na curva da roda".
PS Peço desculpa por usar uma linguagem tão subjectiva, mas não consigo ser objectiva quando falo de um sentimento para o qual o patriarcado nunca criou qualquer termo ou definição."
Texto de Isabella Garnecho
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