O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

quinta-feira, junho 28, 2018

DELIRIO POÉTICO



Mãe!

Mãe! a oleografia está a entornar o amarelo do Deserto por cima da minha vida. O amarelo do Deserto é mais comprido do que um dia todo!
Mãe! eu queria ser o árabe! Eu queria raptar a menina loira!
Eu queria saber raptar.
Dá-me um cavalo, mãe! Até a palmeira verde está esmeralda! E o anel?!
A minha cabeça amolece ao sol sobre a areia movediça do Deserto!
A minha cabeça está mole como a minha almofada!
Há uns sinais dentro da minha cabeça, como os sinais do Egípcio, como os sinais do Fenício. Os sinais destes já têm antecedentes e eu ainda vou para a vida.
Não há muros para que haja estrada! Não há muros para pôr cartazes!
Não está a mão de tinta preta a apontar — por aqui!
Só há sombras do sol nas laranjeiras da outra margem, e todas as noites o sono chega roubado!
Mãe! As estrelas estão a mentir. Luzem quando mentem. Mentem quando luzem. Estão a luzir, ou mentem?
Já ia a cuspir para o céu!
Mãe! a minha estrela é doida! Coube-me nas sortes a Estrela-doida!
Mãe! dá-me um cavalo! Eu já sou o galope! Há uma palmeira, Mãe!
O que quer dizer um anel? Tem uma esmeralda.
Mãe! eu quero ser as três oleografias!


Almada Negreiros, in 'Antologia Poético

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