O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

sexta-feira, novembro 29, 2019

"CRIME E CASTIGO"



COMO OS HOMENS IDEALIZAM UMA MULHER...

"Dúnia lhe era simplesmente indispensável; renunciar a ela era inconcebível para ele. Já fazia muito, já se iam alguns anos que ele sonhava deliciado com o casamento, mas não parava de juntar dinheiro e esperava. Sonhava extasiado, no mais profundo segredo, com uma donzela bem-educada e pobre (necessariamente pobre), muito jovenzinha, muito bonitinha, de caráter nobre e instruída, muito intimidada, que tivesse sofrido infortúnios em excesso e se anulasse completamente diante dele, que a vida inteira o considerasse a sua salvação, que o venerasse, que se sujeitasse a ele e se sentisse maravilhada com ele e somente com ele. Quantas cenas, quantos episódios doces criara na imaginação para esse tema sedutor e brejeiro nos momentos de ócio depois do trabalho! E eis que o sonho de tantos anos estava quase se realizando: a beleza e a instrução de Avdótia Románovna o haviam deixado pasmo; a situação de desamparo dela o incitara ao extremo. Nela havia até um pouco além daquilo com que ele sonhara: uma moça altiva, de caráter, virtuosa, em educação e desenvolvimento superior a ele (ele percebia isso), e a vida inteira uma criatura dessas iria lhe devotar uma gratidão servil pela proeza dele e anular-se de modo reverente, enquanto ele reinaria infinita e absolutamente!...


- Fiódor Dostoiévski, em Crime e Castigo

Sem comentários: